Aprendendo com o passado
Crises não são invenção desse milênio
Você deve ter ouvido muitas pessoas falando sobre retração do PIB, muita gente preocupada com o que vem por aí e principalmente com o impacto de tudo isso no bolso do investidor/cidadão. Para contextualizar, é preciso dizer que o PIB é a medida de expansão ou retração do mercado, e no último caso (retração) vem sempre acompanhado de desemprego e de queda na renda circulando na economia, ou seja, recessão.
Mas vamos voltar ao passado para lembrar que situações extremas não são exceção por aqui.
Em 1981 o PIB foi negativo em 4,3%, em 1982 positivo em 0,8% e 1983 negativo em 2,9%, porém a inflação do período foi de 95% e 210%. Em 1990 o PIB foi negativo em 4,3%, lembrando que foi em 1982 que a inflação rompeu a barreira de 100%; na época a moeda era o Cruzeiro e as prateleiras dos supermercados ficavam vazias. Em 1990 tínhamos uma inflação de 1620,97%, com um PIB negativo de 4,3%, um cenário assustador, não é mesmo? (mas ainda melhor que 1989, onde o índice foi de 1.972,91%).
Essa era a realidade da época, e então vem a pergunta: mas como isso ocorreu? Ninguém percebeu? Ninguém fez nada? Como o país não implementava políticas para reduzir a inflação? E o principal, como o povo guardava dinheiro/investia na época? A resposta que eu sempre uso para a última pergunta é: imóveis e comida.
Para compreender como isso ocorreu é preciso analisar outros eventos históricos. Um deles é o período de implementação da indústria base no país na década de 1950, implementação da indústria de bens de consumo duráveis, com especial destaque para a automobilística, 50 anos em 5, do JK, e nesse mesmo período tivemos o surgimento de grandes nomes da indústria nacional: nasceram a Petrobras (1953), a Vale do Rio Doce, ainda na década de 40 (1942), através de decreto-lei pelo presidente Getúlio Vargas, além da CSN, também na década de 40 (1941).
Com o aumento de gastos do governo com infraestrutura, obviamente o dinheiro precisava sair de algum lugar, então o estado buscou financiamento, já que não havia poupança interna suficiente para esse fim. O que houve então?
Emissão de moeda. Logo, mais moeda na economia.
E o resultado?
Inflação de demanda.
Para quem não sabe, a inflação de demanda é quando temos na economia uma demanda agregada maior que a oferta agregada, ou seja, inflação dos compradores, quando os meios de pagamento disponíveis crescem mais do que a produção dos bens, e com o aumento de inflação na década de 60, o governo tenta controlar através de um plano econômico, PAEG.
O resultado foi um recuo da inflação de 92,1% para 19% entre 1964 e 1969, e então aparece o famoso MILAGRE ECONÔMICO! Sim, isso mesmo, um milagre onde o país crescia cerca de 10% ao ano, com a indústria fortalecendo os resultados, com um índice de crescimento acima de 12% ao ano (média). E então a inflação muda: agora ela não é de demanda, e sim de custos. Mas o que é inflação de custos?
Inflação de oferta, ou seja, a demanda permanece estável, mas os custos de produção aumentam e são repassados ao preço (vemos muito isso hoje em dia também). Aqui entram as variáveis, velhas conhecidas de todo investidor:
juros, moeda – câmbio, renda – salários, ou trocando em miúdos: tudo aquilo que interfere no custo do negócio.
E então, com essas medidas do plano econômico e o crescimento da economia, a inflação cresceu novamente, porém não em níveis estratosféricos (pelo menos não para a época/moeda obviamente).
Só para lembrar, o índice Ibovespa foi criado em 1968, iniciou com 100 pontos e logo de cara enfrentou o boom de 1971, que durou pouco, mas derrubou muita gente. O boom foi um movimento especulativo e um dos frutos do milagre econômico, iniciado pela tentativa do governo em promover investimentos nas empresas que estavam em dificuldades, pois vivia-se na época uma grande estagnação econômica. Então, era preciso incentivar a produção e a atividade econômica. Logo, o governo usou incentivos fiscais federais e também pensou em uma maneira de aumentar o “financiamento” desse crescimento. Uma das medidas foi a criação dos fundos 157, estabelecidos por Decreto-Lei.
E investir em ações na época, com o país apresentando um crescimento excepcional na casa dos 10%, eufórico, parecia ser uma ótima ideia para o público em geral. E você já sabe o que acontece nesses momentos, não é mesmo? Vivemos um há pouco tempo.
O mercado de ações se torna assunto da vez, aparece no jornal e na revista semanal/mensal, se transforma em uma possibilidade de “fazer dinheiro sem trabalhar”, então o índice avançou com muito volume de compra, porém não ocorreram emissões de novas ações por parte das empresas. Com esse movimento forte na ponta compradora os preços inflam, e esses novos investidores muitas vezes não entendem o que estão comprando e tampouco o risco associado a esses momentos de euforia: está feita a bolha.
Em um intervalo de 8 meses (1970 e 1971), as cotações dos ativos aumentaram 78%, sonho realizado para quem estava saindo da estagnação econômica para o milagre econômico. Mas tudo que é bom dura pouco, e chegou o mercado dizendo: sinta-se em casa, mas lembre-se que não está. Eis que surge a CORREÇÃO, realização de lucros e a pressão na ponta vendedora faz o índice recuar; logo as empresas começaram a emitir novas ações, aproveitando o momento (inclusive empresas em situações financeiras extremamente delicadas). Esse fator, aliado à realização dos lucros pelos grandes investidores, fez com que houvesse uma oferta maior de papéis (isso não te lembra 2019 em alguns investimentos?).
A queda veio forte: mais de 50% no índice. Lembram do ditado “bolsa é cassino”!
E o investidor, sem muito conhecimento, não entende o que está acontecendo, enxerga a cotação caindo e o dinheiro “desaparecendo”. No ímpeto emocional, a primeira ação dele é vender para não “perder tudo”. Vê alguma semelhança?
E isso tudo conta com o pano de fundo dos choques do petróleo, com aumento dos preços do barril em 1973 por questões políticas, fazendo com que o preço do barril aumentasse 400% em três meses, de US$ 3,29 em 1973, para US$ 11,65 em janeiro de 1974, chegando a US$ 13,60 em 1978. Compare com a queda atual dos US$ 65 para US$ 20 (aproximadamente), e de novo temos as questões políticas dando o tom.
Como importávamos 70% do petróleo consumido, isso acarretou mais gastos públicos com a commodity, o que, somado ao fato de que os juros internacionais subiram, resultou em um aumento da dívida externa de US$ 17,2 bilhões em 1974 para US$ 49 bilhões em 1979, e hoje é de US$ 323 bilhões.
OBS: A dívida externa iniciou bem antes, lá na época da independência. Sim, isso mesmo, nós fizemos alguns empréstimos para “pagar” e reconhecer a independência. Impressionante, não é mesmo?
OBS2: hoje, a participação da dívida corrigida pelo câmbio é bem menor, considerando a dívida pública externa.
Voltando ao passado, lembrem que era época de milagre econômico. Logo, o governo precisava de dinheiro para continuar a “saga”. Então, o que ele faz? Toma mais empréstimos…! |Genial! SQN
E vem o segundo choque em 1979, causado pela paralisação da produção petrolífera do Irã, fazendo o barril chegar a custar US$ 40,00. Então, bem-vindo à década de 80: PIB encolhendo, moratória e inflação sem controle. Chegamos na década perdida, e vivemos uma parecida nos últimos anos.
E quem chega para a festa? FMI.
E de lá pra cá vivemos muitas outras crises, como a crise dos tigres asiáticos no final da década de 90, sendo essa a primeira a nível global, pelo menos da forma como entendemos a globalização hoje. Inclusive, data dessa época um dos maiores empréstimos feitos pelo FMI a um país, e óbvio que causou desemprego em massa, falta de suprimentos básicos, como remédio e comida (naquela região), falências de negócios, etc.
E por aqui? Recorremos ao FMI, de novo.
Não vamos esquecer da crise Russa (causada pela migração de regime, para o capitalismo) e, no Brasil, o Câmbio flutuante (1999): a desvalorização da moeda continua, o capital estrangeiro sai do país, o déficit aumenta, afinal, mexe com câmbio e altera os índices comerciais (importação/exportação), e com isso a inevitável e nossa já velha conhecida indústria nacional prejudicada, aumentando o desemprego, que faz a renda recuar e que, com menor produção e força interna, reduz produtividade.
Ainda não acabou, Jessica?
Não para por aí: bem-vindo à recessão mundial do início do milênio (2001-2003). Aqui os ataques de 11 de setembro deram o tom. E lembram da crise do apagão? Para os mais jovens: essa crise foi nacional e afetou o fornecimento e distribuição de energia elétrica entre 1 de julho de 2001 e 19 de fevereiro de 2002, e lá vem o racionamento, blecautes, etc.
E aqui ainda tem a Argentina para ajudar, que declarou, na época, moratória, e sendo ela um dos principais destinos da nossa produção, não apenas manufaturada (pelo preço e qualidade dos produtos), ajudou a piorar a situação. E observe que eu não falei da crise do subprime (2008), porque essa é mais recente e todos lembram dela, assim como da nossa recessão de 2015/2016, quando o índice chegou na casa dos 30 mil pontos.
Em todas essas crises o Ibovespa vivenciou quedas, em algumas maiores, em outras menores, mas em nenhuma ele (índice) passou ileso. E por qual motivo?
Pelo fato de que as ações são negócios, e as cotações refletem os resultados desses negócios, mas também o pânico e a aversão ao risco. Portanto, a queda nesse cenário atual de coronavírus e da crise (de novo) do petróleo, não é algo inimaginável. Afinal, a crise com as empresas paradas e com falta de demanda em alguns negócios terá consequências financeiras nas empresas, principalmente nas pequenas e médias, que são as grandes geradoras de empregos. E sabemos que sem emprego e sem renda não existe consumo, logo, existe um problema social incluso na conta, além obviamente de que dependendo do tempo de restrição de circulação que gera a demanda, o mercado de crédito pode sofrer.
O governo tem suas medidas para tentar ajudar, mas lembre-se que dinheiro não dá em árvore. Logo, com dívida bruta alta e com déficit nas contas alguém vai ter que pagar, além do que com a Selic em baixa e com supressão da demanda, a tendência é uma inflação maior na tão aguardada “volta” do consumo após a crise corona. Obviamente que aqui precisamos considerar o tempo de “parada”, afinal o risco existe e, como tal, em qualquer circunstância, não podemos ignorá-lo ou torná-lo maior do que é, mas monitorar o andamento do processo e então adaptar a estratégia de acordo com o desenrolar dos fatos.
Resumindo: se você souber no que está investindo, saberá o quanto o negócio tem projeção de ser afetado e principalmente o quanto ele possui de força para aguentar o tranco (capital, dívida sob controle, geração de caixa, tipo de demanda); logo, poderá monitorar o desenrolar dos fatos e ir ajustando suas posições.
OBS: lembrem-se da importância da demanda, é ela que define o faturamento do negócio (juntamente com preço, que por sua vez está ligado às condições de mercado nas quais esse negócio está exposto).
OBS: demanda pode ser tratada pela empresa como regular, tipicamente aplicada aos produtos de consumo pela frequência e repetição de padrão de consumo muito fortes, e que podem ou não apresentar diferenças. Essas diferenças são denominadas incertezas, ou então apenas oscilações por tendências e sazonalidades. No caso atual, são apenas incertezas pela supressão da demanda devido ao fator de eliminação da circulação e fechamento da ponta vendedora (varejo), com as exceções de negócios vinculados à saúde e alimentos (como farmácias e supermercados, podemos citar Raia Drogasil e Carrefour). E existem demandas irregulares, a demanda por encomenda e, atrelado a isso, o fator de dependência ou independência do produto de outro produto, caso da Gerdau ou Usiminas, por exemplo, uma com maior foco na construção (aços longos) e outra nos automóveis; portanto, se a montadora ou a construção civil param, essas empresas ou produzem para estoque, antecipando demanda que será reprimida nesses meses e cresce depois, ou param as plantas por alguns dias – em ambos os casos existe risco de perda.
Nenhuma economia sobrevive sem produzir e consumir, isso é um fato. E quem sabe, depois desse susto, os projetos e investimentos na saúde não sejam maiores, mais assertivos e menos políticos.
- Não ignore o risco, monitore.
- Não é a primeira crise e não será a última.
- Nenhuma crise é à outra.
- Lembre-se sempre de diversificar os investimentos.
- Se cuide, conscientize os próximos, mas não seja um mensageiro do apocalipse.
- Espalhar fake news é coisa de adolescente.
Daniel Nigri com apoio de Patricia Rossari
O analista Daniel Nigri CNPI1810 é o responsável pelas informações perante a ICVM 598
As informações não constituem recomendação de compra ou venda de qualquer ativo
Não é indicação de compra ou venda de ativos.
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