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Sextou em Jackson Hole

Jackson Hole é um vale no estado americano de Wyoming, com pouco mais de 10 mil habitantes. População que caberia no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Pequena, porém notável, a região é conhecida por atrações turísticas, como uma parte do famoso Parque Nacional de Yellowstone e por seus resorts e estações de esqui. Uma vez por ano, é também o centro das atenções do mercado financeiro.

Há 40 anos, Jackson Hole é palco do simpósio anual dos bancos centrais. Esses encontros começaram em 1978, no Kansas, por uma iniciativa do Federal Reserve distrital. No primeiro ano, o tema discutido foi o comércio agrícola mundial. O evento mudou para Jackson Hole em 1982, edição que contou com a presença de Paul Vockler, presidente do Fed à época. A partir dali, o simpósio deixou de ser somente um encontro de caráter regional, passando a atrair autoridades monetárias de todo o mundo. Representantes de 70 países já passaram por Jackson Hole desde então.

Na edição de 1989, Alan Greespan, sucessor de Vockler, trouxe perspectivas sobre a política monetária para a década que estava se iniciando. Foi a primeira vez que um chairman do Banco Central dos Estados Unidos fez parte, formalmente, da programação do simpósio. Desde então, virou uma tradição;

Mudança radical de discurso

A cada ano, o simpósio de Jackson Hole trata sobre um tópico diferente e a reunião de 2022 marca o aniversário de 45 anos do evento. O tema desse ano é “Reavaliando restrições à economia e à política”. As discussões vão girar em torno do desequilíbrio entre oferta e demanda, herança da pandemia que acabou por impulsionar a inflação em todo o mundo. Em resposta a esse movimento, a maioria dos Bancos Centrais do mundo têm elevado taxas de juros depois de anos, incluindo, é claro, os Estados Unidos. Além das discussões entre autoridades monetárias, Jackson Hole é um espaço para a apresentação de estudos e artigos inéditos relacionados ao tema selecionado e que também traduzem a visão do Fed sobre o tópico.

A edição deste ano do simpósio começou na quinta-feira (25) e terminou no sábado (27). Mas é o segundo dia do evento foi o mais aguardado pelos participantes do mercado financeiro. Às 11h (horário de Brasília), tivemos o d discurso do atual presidente do Federal Reserve, Jerome Powell.

Em 2020, no primeiro ano da pandemia, a preocupação do Federal Reserve era outra. A inflação medida pelo índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) estava 1,3%, abaixo da meta perseguida pela autoridade monetária, de 2%. A taxa de desemprego, acima dos 8%. Os lockdowns estavam acontecendo e as vacinas ainda não tinham sido aprovadas. Naquele ano, por teleconferência, Powell anunciou que a estratégia do Fed era fazer com que a inflação ficasse “moderadamente acima dos 2% por algum tem

Na edição seguinte do simpósio, o cenário já estava bem diferente. O CPI havia disparado para 5,2%, muito acima da meta do Fed, enquanto a taxa de desemprego recuou para o patamar dos 5%. Os estímulos ao consumo ao longo da pandemia geraram um descompasso entre demanda excessiva e escassez de oferta, numa cadeia de abastecimento fragilizada pelos lockdowns. O Fed, porém, disse no evento que a inflação era “transitória” e ainda se mostrava receoso em pisar no freio.

“As condições do mercado de trabalho estão melhorando, mas seguem turbulentas e a pandemia continua a ameaçar não só a saúde e a vida, como a atividade econômica”, disse Powell no simpósio daquele ano. O chairman afirmava que os preços logo iram desacelerar, justificando que a alta estava concentrada em alguns bens e havia poucas evidências de que os salários estavam dando impulso à inflação. Meses depois, a narrativa mudaria completamente, com o mercado de trabalho aquecido dando respaldo ao ciclo de aperto monetário do Fed.

A presença de toda a diretoria votante do FED, mais as presenças recorrentes de outros formadores de política econômica (como os presidentes do Banco Central Europeu, japonês e inglês, entre outros) sempre fizeram com que a imprensa mundial focasse e informasse qualquer declaração que pudesse revelar alguma pista dos próximos passos do BCs ou novos fatos que pudessem ter impacto nos mercados.

O impacto da reunião em 2020 foi extremo e se sente até hoje. Basicamente, na época, o FED preocupado com a recessão econômica causada pela pandemia, fez um apelo para que os países não apenas levassem a política monetária para um terreno extremo, que nunca antes tinha sido tentado (juros reais negativos acompanhados da expansão dos balanços dos bancos centrais), mas que isso fosse acompanhado por mais gastos governamentais, causando um relaxamento fiscal global que, sem dúvida, foi a gênese da explosão inflacionária que estamos testemunhando.

Já no ano passado, poupando o leitor, seria breve: não aconteceu nada. Na época, o presidente do BC americano ainda insistia que a inflação era passageira e transitória, postura que meses depois ele iria abandonar e se arrepender.

Sextou com Powell em Jackson Hole

O que Powell disse que o mercado não gostou?

A reação negativa de Wall Street não foi pelo que Powell disse, mas como ele falou. O discurso do chefão do Fed foi dominado por um tom hawkish que, no jargão do mercado financeiro, significa um tom inclinado para o aperto monetário.

“Sem a estabilidade de preços, a economia não funciona para ninguém. Em particular, sem estabilidade de preços, não alcançaremos um período sustentado de fortes condições do mercado de trabalho que beneficiem a todos”, disse Powell logo no começo do discurso.

O presidente do Fed admitiu ainda que restaurar a estabilidade de preços nos EUA levará algum tempo e demandará o uso de ferramentas com força para equilibrar a demanda e a oferta — mantendo a porta aberta para uma nova alta de juro de 0,75 ponto percentual (pp).

“A redução da inflação provavelmente exigirá um período sustentado de crescimento abaixo da tendência. Além disso, muito provavelmente haverá algum abrandamento das condições do mercado de trabalho”, afirmou.

Powell avisa: a fatura do juro alto vai chegar

Powell afirmou que uma abordagem tão dura, com uma taxa de juro mais alta, vai fazer a inflação desacelerar, mas uma fatura terá que ser paga para isso.

O crescimento da economia dos EUA vai ser mais lento e as condições do mercado de trabalho devem ser mais brandas, o que, nas palavras do presidente do Fed, “terá um custo para famílias e empresas” norte-americanas.

“Estes são os custos infelizes de reduzir a inflação. Mas uma falha em restaurar a estabilidade de preços significaria uma dor muito maior”, disse.

Na avaliação de Powell, a economia dos EUA está claramente desacelerando em relação às taxas de crescimento historicamente altas de 2021 — que refletiram a reabertura da economia após a recessão pandêmica.

“Embora os dados econômicos mais recentes tenham sido confusos, na minha opinião nossa economia continua a mostrar um forte impulso subjacente”, afirmou.

Em um tom de morde e assopra, Powell chamou atenção do mercado de trabalho, que é forte, mas está desequilibrado, com a demanda por mão de obra superando substancialmente a oferta de trabalhadores disponíveis.

Calma com o andor que o santo é de barro

O cenário pintado por Powell não é exatamente uma novidade. No entanto, o mercado tinha a esperança de que, com dados recentes de inflação, o banco central norte-americano poderia tirar o pé do acelerador do aperto monetário.

Mas como diz o ditado: “calma com o andor que o santo é de barro”.

O presidente do Fed deu boas-vindas às leituras mais baixas de inflação de julho, mas lembrou que a melhora em um único mês não dá a confiança que a autoridade monetária precisa para reduzir o ritmo de elevação do juro.

Mais cedo, o Departamento do Comércio dos EUA informou que o  índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) — o dado preferido do Fed para medir a inflação — recuou 0,1% em julho ante junho, com alta de 6,3% na comparação anual.

Já o núcleo do PCE, que exclui itens voláteis como alimentos e energia, teve alta de 0,1% em julho ante junho, quando analistas previam ganho de 0,2%. Na comparação anual, o PCE subiu 4,6% em julho, ante expectativa de alta de 4,7% dos analistas.

“A inflação está bem acima da meta de 2%, e a alta inflação continuou a se espalhar pela economia. Embora as leituras de inflação mais baixas para julho sejam bem-vindas, a melhora de um único mês fica muito aquém do que o Comitê precisará ver antes de estarmos confiantes de que a inflação está desacelerando”, disse.

Vem mais alta de juro por aí

O Fed iniciou o ciclo de aperto monetário em março deste ano, com uma elevação de 0,25 pp. De lá para cá, a inflação nos EUA atingiu o maior nível em mais de 40 anos e o banco central norte-americano foi obrigado a correr para conter a disparada dos preços.

Ao que tudo indica, o Fed não vai parar e outra alta de um calibre maior não está descartada.

“O aumento de julho foi o segundo de 75 pontos base, e eu disse então que outro aumento incomumente grande poderia ser apropriado em nossa próxima reunião”, afirmou Powell.

Embora tenha dito que a decisão da reunião de setembro dependerá da totalidade dos dados recebidos e da evolução das perspectivas, o presidente do Fed não retirou todas as esperanças sobre o fim do ciclo de aperto monetário.

Conclusão

O tom do discurso de Powell em Jackson Hole não caiu bem nos ouvidos de Wall Street. O Dow Jones foi o primeiro a acusar o golpe, perdendo, de cara, 200 pontos.

Não demorou muito para que o S&P 500 e o Nasdaq descessem a ladeira também, registrando quedas superiores a 2%

Powell sinalizou que o ciclo de aperto monetário nos EUA pode se prolongar.

“Sem ser muito incisivo, Powell trouxe referências historicamente hawkish entre os ex-presidentes do Fed, a fim de reafirmar o compromisso da autoridade com a estabilidade de preços.

Powell mandou um recado direto ao mercado: “não precifiquem juro menor por causa de um número e nem acreditem que o juro cairá tão cedo quanto o precificado.

O Fed admitiu que ainda há um longo caminho até a inflação voltar para a meta e que a atividade precisa desacelerar mais a fim de atingir esse objetivo.

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