Aposta de R$ 3,50. Sonho de milhões. Realidade de frustração estatística.
Quase 6 milhões de brasileiros jogaram na loteria em apenas um ano, segundo um estudo premiado com base nos microdados da POF 2017-2018. O que parecia um passatempo barato se revela, na prática, um comportamento de risco financeiro que afeta, em grande parte, os mesmos grupos vulneráveis de sempre.
Neste artigo, vamos destrinchar os dados, entender quem são esses apostadores, quanto gastam e por que isso deveria preocupar qualquer um que se importe com educação financeira e políticas públicas sérias.
De cada 100 adultos no Brasil, quase 4 apostaram na loteria entre meados de 2017 e meados de 2018. Isso dá cerca de 5,8 milhões de brasileiros, segundo os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) analisados no estudo.
A loteria preferida? De longe, a Mega-Sena, com mais de 4 milhões de apostadores — número maior do que a soma de todos os outros jogos juntos. Em segundo lugar vem a Lotofácil, com 1,4 milhão de apostadores, seguida pela Quina, com pouco mais de 800 mil.
E o hábito é pouco diversificado:
83% dos apostadores jogaram em apenas uma modalidade durante o ano. A maioria aposta pouco, com regularidade, e acredita fielmente na chance (quase nula) de enriquecer com um bilhete premiado.
O perfil do apostador brasileiro
Quem são os brasileiros que mais apostam?
Segundo o estudo, o apostador típico é:
- Homem (73%)
- Mais velho – entre 50 e 64 anos (38%)
- Pessoa de referência na família (66%)
- Branco (54%)
- Morador de área urbana (94%)
- Habitante do Sudeste (47%)
- Empregado do setor privado ou conta própria
Enquanto isso, os não apostadores tendem a ser mais jovens (25% têm entre 18 e 29 anos) e mais frequentemente mulheres (54%).
Ou seja: o perfil médio do apostador tende a ser de uma geração mais velha, masculina e com papel de sustento dentro do lar.
Um dos pontos mais curiosos do estudo é que apostar na loteria não é exclusividade das faixas de menor renda. Embora 39% dos apostadores tenham renda pessoal de até R$ 1.908, quase metade (48%) recebe acima disso, sendo que 13% têm entre R$ 2.862 e R$ 5.724, e mais 10% superam os R$ 5.724 mensais.
Do ponto de vista da renda familiar, a concentração nas classes médias é ainda mais nítida: 32% dos apostadores vivem em famílias que ganham de R$ 2.862 a R$ 5.724, e outros 44% estão em faixas superiores a essa. Isso mostra que a aposta na loteria não é apenas reflexo da escassez, mas também da ilusão de controle, mesmo entre quem poderia investir melhor o dinheiro.
Em relação à ocupação, os maiores grupos de apostadores são trabalhadores do setor privado (33%) e profissionais autônomos ou informais (22%). Ou seja, quem tem renda recorrente, mas sem estabilidade garantida, parece apostar mais na sorte como um plano B de ascensão.
Quanto se gasta com loteria?
Em média, cada apostador gastou R$ 781 por ano, o que dá cerca de R$ 65 por mês.
As modalidades com maior gasto médio foram:
- Loteria Federal – R$ 775/ano
- Mega-Sena – R$ 692/ano
- Lotofácil – R$ 644/ano
Vale lembrar que os bilhetes da Loteria Federal são mais caros (mínimo de R$ 15 na época) do que uma aposta simples na Mega-Sena (R$ 3,50).
E quando olhamos para grupos específicos, o gasto varia bastante:
A conclusão é clara: quanto mais velho, mais se gasta, possivelmente por também ter mais renda disponível.
Agora vem a pergunta que não quer calar… e se, em vez de gastar R$ 65 por mês com apostas, esse valor tivesse sido investido com consistência?
Se uma pessoa investisse esse valor mensal em uma carteira ou título que rendesse 12% ao ano, eis o patrimônio acumulado ao longo do tempo:
Ou seja, o “custo da fé” no bilhete premiado poderia, sozinho, garantir uma boa ajuda na aposentadoria (e sem depender da sorte).
Comportamentos associados
Apostadores de loteria têm maior prevalência de comportamentos financeiros e de saúde considerados de risco:
Ou seja, a aposta na loteria não vem sozinha, ela caminha ao lado de outros hábitos que também corroem o orçamento e a saúde no longo prazo.
O caso dos adolescentes
Apesar da proibição por lei, 6,9% dos adolescentes brasileiros entre 14 e 17 anos já apostaram alguma vez, segundo pesquisa citada no estudo.
Ainda pior: 1,6% deles já apresentavam sinais de comportamento problemático com apostas. O mais preocupante? A média de tempo entre a primeira aposta e o primeiro problema foi inferior a 4 meses.
Isso indica que o adolescente brasileiro é especialmente vulnerável ao vício em apostas e o acesso a esses jogos, muitas vezes, passa despercebido.
O que pode ser feito?
O estudo propõe várias diretrizes e sugestões para mitigar os riscos do jogo irresponsável:
- Educação financeira voltada para apostadores, com foco em probabilidade, ilusão de controle e consequências de longo prazo.
- Monitoramento e punição à participação de menores de idade, com campanhas educativas e ações em escolas.
- Avaliação contínua das ações de Jogo Responsável, com pesquisas e medição de impacto real.
- Integração de políticas de saúde pública e psicossocial, considerando os vínculos com álcool, tabaco e endividamento.
Conclusão
O estudo de Charles Henrique Correa, vencedor do 3º Prêmio SECAP de Loterias, mostra que o problema do jogo no Brasil vai além da chance estatística de ganhar ou perder. A loteria tem sido, muitas vezes, uma armadilha para o emocional, o orçamento e a esperança de milhões.
Se queremos uma sociedade mais justa, financeiramente saudável e psicologicamente estável, talvez o debate não deva mais ser “se vale a pena jogar”, mas sim por que tanta gente ainda sente que não tem outra opção além de tentar a sorte.
Este artigo só foi possível graças à contribuição de Félix Humberto França, que gentilmente compartilhou o estudo original e foi peça-chave para inspirar a reflexão e os cálculos apresentados aqui. Meu muito obrigado, Félix!
Link para o estudo: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/5153/1/1A%CC%82%C2%BA%20Lugar%20-%20Charles%20Henrique%20Correa.pdf
Grande abraço,
João Pedro Mello
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