M. Dias Branco – MDIA3: Análise de Indústria – Parte III
M. Dias Branco – Mesmo sabendo que o assunto do dia é eleição, vamos continuar com mais um capítulo da nossa jornada de análise de indústria. Nossa escolhida da semana é uma empresa com mais de 60 anos de vida, querida por muitos investidores fundamentalistas e um exemplo muito rico de como a verticalização influencia os resultados de um negócio. Tudo começou com uma simples padaria e hoje a empresa é líder de mercado nos segmentos de massas e biscoitos
Você deve estar se perguntando porque não abordar o assunto do momento – eleições – afinal ontem ocorreu a votação. Minha resposta é bem simples: porque já tem pessoas demais falando sobre o assunto e também porque governos vão e vem, as empresas se tornam oportunidades a partir do momento em que as conhecemos, entendemos sua estrutura e sabemos de que forma o cenário macro pode influenciar os seus resultados.
Muitas vezes, M. Dias Branco apresenta uma volatilidade maior, a cotação cai – caso da MDIA3 nos últimos meses – então o investidor precisa saber se a queda é uma oportunidade de entrada no ativo ou um aviso de que algo não vai bem e é preciso redobrar o cuidado. E isso caros amigos só é possível quando conhecemos o case do negócio.
É ótimo entender de política, falar sobre política, mas de nada adianta toda essa discussão se você não souber como isso de fato afeta o negócio/ativo em que estamos investindo.
Vou começar com uma pergunta óbvia: como a alta da inflação afeta o negócio/ativo de M. Dias Branco em que você investe? É positivo ou negativo?
A desaceleração do crescimento econômico de M. Dias Branco afeta a rentabilidade do ativo? Em percentuais significativos?
Se a indústria na qual você investe, ainda tem capacidade ociosa e não necessita de investimentos de expansão ou já os fez, produz um produto com baixo valor agregado e de fácil acesso e consumo em escala, qual a importância do aumento da taxa de juros no negócio, como ela afeta a rentabilidade de M. Dias Branco e a sua rentabilidade como investidor?
Essa é a discussão política quando falamos em investimentos, a influência das políticas fiscal e monetária no negócio.
Case da M. Dias Branco
Assim como a Natura, que foi o assunto da semana passada, se você ainda não leu – Natura – Análise de Indústria – Parte II, vou iniciar falando da evolução do negócio. Apesar de algumas pessoas não acreditarem, isso é de extrema importância, afinal você não pode se tornar sócio de uma empresa que não conhece, certo?
E também porque a análise qualitativa é essencial para entendermos se os múltiplos, tão aclamados e idolatrados por analistas, fazem sentido na “vida real” – vide caso da Qualicorp, se você ainda não leu o material – O que aconteceu com a Qualicorp?
Tudo começou com um sistema de vendas porta a porta, onde o vendedor visitava os clientes que eram na época pequenos varejos, ou seja, uma oportunidade de entender melhor o mercado/consumo de cada região, conhecer a política de preços dos varejos e a aceitação do produto no mercado. E porque isso é importante? Simples, assim eles conseguiam manter um ajuste dinâmico no posicionamento de mercado de seus produtos, traçar apelo mais efetivo para as demandas de cada local, além obviamente de uma parte essencial nesse segmento: o relacionamento com o cliente varejista.
[epico_capture_sc id=”2764″]
Quem já trabalhou ou trabalha em indústria sabe a importância da cadeia logística no resultado do negócio, e isso vai além da exposição mais privilegiada do produto no supermercado. Você já deve ter reparado que algumas marcas estão sempre em evidencia em determinadas redes de varejo, e isso não é coincidência!
A produção em larga escala se tornou uma realidade, e a distribuição precisava acompanhar essa evolução, então as plantas começaram a expandir em tamanho e para outras áreas da região nordeste, mas ainda era um período de estabelecer a marca e fidelizar a clientela.
Na década de 90, ela inaugura uma unidade de moagem de trigo para a produção do principal insumo. Aqui é um momento de ruptura no processo de produção, muito importante. Inicia-se então o processo de verticalização. Nessa mesma década, implantou a estratégia de utilizar não apenas o insumo, mas também comercializar farinhas e farelo de trigo, um mercado muito mais competitivo e que na época passava por inúmeras modificações, e esse foi um dos motivos pelos quais a empresa investiu nessa verticalização.
Para quem não lembra, nos anos 90 o governo parou de intervir no setor do trigo, e ocorre a abertura econômica, ou seja, a permissão para entrada de novos concorrentes no mercado, e com o MERCOSUL em 1994, a expansão dessa mudança amplifica.
Na virada do milênio, a empresa investe mais uma vez na busca da maximização dos resultados através de um gerenciamento de custos mais efetivos, ou seja, amplia a verticalização, e como da primeira vez, não apenas usando a estratégia para suprir a própria produção, mas também para aumentar o portfólio de produtos comercializados. Ela inaugura então uma planta produtiva de produção de gorduras, margarinas e cremes vegetais, o segundo maior insumo usado na fabricação de seus produtos “chefes”.
Foi em 2005 que ela implementou o que no meu ponto de vista é essencial para a manutenção de margens mais saudáveis nesse negócio: integrou a fábrica ao moinho de trigo. Isso faz com que ocorra uma redução significativa do custo de transporte da farinha (moinho) para a planta produtiva dos biscoitos e massas, soma-se a essa estrutura a integração do porto privado de uso misto, onde a importação do trigo era feita com custo menor se comparado ao mesmo processo sendo feito através de um porto comum. Abaixo, a evolução do processo de verticalização dos dois principais insumos, retirada do relatório anual da companhia:
E ao longo dos anos ela adquiriu inúmeras marcas de massas, biscoitos e também moinhos, ampliando cada vez mais sua área de atuação, e em 2013, essas empresas adquiridas foram incorporadas pela Companhia.Vale ressaltar que a estratégia é produzir toda a farinha de trigo utilizada para a produção, então o foco ao longo dos anos foi a implementação da integração dos moinhos, assim como a distribuição estratégica dos mesmos, e dos centros de distribuição pelo território nacional.
A importância desses eventos é muito grande, afinal o custo da matéria prima representa 38,9% da receita, e destes 22,9% são compostos pelo trigo, seguido do óleo vegetal com 6,6%.
MDIA3 estréia na Bolsa
A abertura de capital ocorreu em outubro de 2006, pelo preço por Ação Ordinária de R$21,00 e um P/L de 15, acumulando ao longo desse tempo uma valorização superior a 400% Abaixo os resultados anteriores ao IPO, usados no prospecto preliminar:
Dias Branco Hoje
A última grande aquisição da empresa foi a Indústria de Produtos Alimentícios Piraquê, uma empresa tão antiga quanto a M. Dias, a Piraquê iniciou as atividades em 1953 no Rio de Janeiro, com foco principal em biscoitos e massas. Mas a importância da aquisição vai além da marca e das plantas produtivas. A questão central aqui é o ingresso no mercado do sudeste brasileiro, afinal, hoje 71,3% da receita da M. Dias Branco é gerada no Nordeste.
Marcas já conhecidas e com consumidores fidelizados, essa é a estratégia central, ampliar o mercado consumidor através da expansão produtiva, iniciando com uma marca já conhecida, ou seja, menor custo de inserção. O valor da transação foi de R$ 1,55 bilhão.
Observe a evolução da cotação do ativo, lembrando que ocorreu desdobramento na proporção de 1 para 3 em 2017:
Além da última aquisição é importante destacar que existem as controladas da empresa, M. Dias Branco Internacional Trading LLC e M. Dias Branco Internacional TradingUruguay S.A , que tem como atividade principal intermediar a compra dos insumos, o trigo em grãos e o óleo vegetal, mais uma estratégia para diminuir o impacto do preço da commodities e assim suavizar o impacto no custo total.
Resultados
Ao longo dos 12 anos em que a empresa está listada, a capacidade produtiva cresceu muito, tanto pelas aquisições efetuadas ao longo do tempo como pelo crescimento do mercado atendido que fez com que a demanda de produção elevasse os volumes produzidos, sem valores consideráveis de dívida.
E os resultados acompanharam a evolução do negócio, veja abaixo:
Fonte: ADVFN
A evolução da companhia através de aquisições e melhorias no processo é evidente, mas tudo isso é fruto de um trabalho mercadológico intenso, com foco no varejo e sempre observando o que o mercado necessita, no estilo citado no início do texto. Afinal de contas ela não é Ambev, e como eu já disse inúmeras vezes, o mercado é dinâmico. Mesmo a AmBev pode sofrer com perda de mercado devido à concorrência e mudança nos hábitos de consumo
Em junho de 2018, a empresa lançou o programa “germinar”, programa de startups para aperfeiçoar as inovações que contribuam para o crescimento da empresa, ou seja, está investindo em acrescentar valor aos processos e implementar novas metodologias que aperfeiçoem ainda mais o negócio.
O faturamento de um negócio não pode estagnar, a evolução deve ser constante para suprir as necessidades de melhorias e ampliação de mercados.Ou seja, a preocupação em investir na melhoria dos processos, entender o que o cliente necessita, no melhor estilo Magazine Luiza – se você ainda não leu –Análise de Varejo – Magazine Luiza.
Os Investimentos para melhorar a cadeia logística de distribuição também são notáveis, e os resultados serão percebidos com maior frequência a partir de agora, com a nova aquisição.
Veja abaixo a evolução da Receita e do Lucro ao longo dos últimos seis anos:
Hoje o ativo negocia a um P/L de 17, com P/VPA de 2,6 e um ROE de 15%.
Com 25,1% das ações negociadas no Novo Mercado
Concluindo
Investir em ações é adquirir parte de empresas. Quando você não compra para especular concorda com a gestão daquele negócio, com a forma como ele administra os custos e gera valor através do processo principal. Então, se o seu investimento for a longo prazo o mínimo que você deve fazer é conhecer o negócio, sua estrutura, estratégias, forças e fraquezas, etc.
No caso deste negócio você concorda em adquirir uma empresa em expansão, com 25% das ações negociadas em bolsa, que acredita e investe em verticalização, que possui subvenções fiscais federais e estaduais, e que apresenta lucro crescente. Tem projeções de mais aquisições e produz um produto que tem como matéria prima uma commodity onde o preço é uma variável que depende de fatores externos sem controle.
Faça o exercício, use as forças de Porter, Forças de Porter – Análise Qualitativa – e verifique se a MDIA3 tem barreiras, ou se ela pode sofrer com a entrada de novos concorrentes no setor e perder mercado. Ou se as projeções de novas aquisições pretendidas por ela são uma força que pode minar a entrada de novos players.
Quando você ler um relatório indicando compra de um ativo, lembre-se sempre que o dinheiro que será usado na transação será o seu e não o do analista. Então faça o dever de casa, seja responsável na avaliação e coerente com seu perfil ao escolher seus ativos.
Caso queira dar o próximo passo nos investimentos, torne-se Membro Gold, (TODAS as carteiras batendo o Ibovespa!)
Informação é dinheiro.
Até a próxima semana.
Daniel Nigri
Apoio: Patrícia Rossari
O analista Daniel Nigri CNPI1810 é o responsável pelas informações perante a ICVM 598
As informações não constituem recomendação de compra ou venda de qualquer ativo
Glossário
Verticalização: Verticalização: é a estratégia que prevê que a empresa produzirá internamente tudo o que puder, ou pelo menos tentará produzir. Foi predominante no início do século, quando as grandes empresas praticamente produziam tudo o que usavam nos produtos finais.