Grendene – GRND3: 4T2019/2019

Grendene – GRND3: 4T2019/2019

Você já deve ter ouvido falar de padrões de demanda, não é mesmo? Aquilo que é gerado do histórico de vendas, que por sua vez gera dados, e a partir daí informações que são uma espécie de “norte”, nas quais são baseadas as projeções de venda ou então para assumir uma produção de estoque antecipando uma demanda futura na cadeia produtiva.

Pois bem, mas qual a relação disso com a Grendene?

Se você não sabe a relação, ainda não compreende como a empresa gera valor, e isso é perigoso quando se trata de investimentos, pois é a compra baseada em:

  • mas todo mundo tem…
  • todos estão vendendo…
  • sempre foi uma ótima empresa
  • sempre foi ruim
  • nada presta naquele negócio
  • tudo é lindo naquele negócio
  • mas o lucro subiu 500%
  • mas o lucro recuou 50%

Afirmações que geralmente não são acompanhadas de explicações sobre os motivos que as geraram.

Então vamos ao ponto principal: a Grendene vem perdendo rentabilidade nos últimos resultados e essa perda vem do processo que gera o valor (fabricação), perdendo market share e, na comparação com os números do setor do qual ela faz parte, números bem mais fracos que os do mercado. Seguindo a lógica acima poderíamos dizer que ela está com problemas, que o negócio está afundando ou então poderíamos dizer que é a oportunidade de uma vida, já que quando ela reverter vai “explodir” o lucro.

Pois bem, isso até pode fazer parte do mundo do Sr. Mercado, mas definitivamente não faz parte do meu mundo, que é o de análise de negócios, dos processos que geram valor e das estratégias logísticas para o gerenciamento da cadeia. Não existe o famoso “tudo errado” ou “tudo certo”, “impecável e inabalável”, o que existem são negócios feitos por pessoas para pessoas, que estão ligados ao fator capital de um lado, renda do outro e a gestão desses recursos como núcleo.

Logo, entende-se que negócios são dinâmicos e precisam se adaptar às novas realidades de consumo, frase óbvia, mas de execução não tão simples, porque para fazer isso é necessário que a empresa entenda o que o seu consumidor procura/deseja/necessita, e não apenas desovar o estoque no varejista, acreditando que isso é suficiente, pois a marca resolve tudo. A Restoque está aí para provar que nem sempre é verdade. Aliás, escrevi sobre o caso, as mudanças no processo logístico e de precificação, que nos últimos anos impactaram negativamente os resultados. E como sempre (na área fechada/podcasts), o nosso brilhante analista chefe Daniel Nigri fez a precificação do ativo. Se você é assinante da Dica de Hoje, basta acessar a área de membros e poderá conferir o material.

Tipos de Demanda

A demanda pode ser tratada pela empresa como regular, tipicamente aplicada aos produtos de consumo pela frequência e repetição de padrão de consumo muito fortes, e que podem ou não apresentar diferenças, que são denominadas incertezas ou então apenas oscilações por tendências e sazonalidades (muito comum em produtos de consumo, veja por exemplo os números da Camil, referentes à marca Coqueiro), ou seja, não é tão simples quanto a palavra regular faz parecer, não é mesmo?

E aliado a isso ainda existe uma questão muito importante, que é a determinação do estágio do ciclo de vida em questão (aqui, pense na marca mais famosa da Grendene (Melissa) e nas suas estratégias ao longo dos anos para recolocá-la, reajustá-la, modernizá-la, etc.) E não esqueça de levar em consideração que a tendência não é a mesma ao longo do tempo para os produtos, e a escolha da empresa em mantê-los e aplicar mais capital ou aceitar uma maturidade com queda de faturamento é um dos exemplos de estratégia em relação ao fator demanda regular, isso porque a tendência precisa estar de acordo com as projeções, afinal, os custos continuarão existindo e, caso o faturamento não “aconteça”, a empresa perde margem.

Agora, imagine quantificar isso em um mix.

Nenhum negócio é eternamente bom ou ruim. É claro que algumas coisa podem ser evitadas, através de uma gestão com mais expertise, um processo mais enxuto e também muitas vezes o famoso “evitar subir no pedestal e acreditar que nada pode derrubá-lo de lá”, famoso teimar contra quem tem mais força. Veja Eternit, Cielo, Souza Cruz, Saraiva, entre tantos outros exemplos recentes. Não existe negócio à prova de bala, existem bons negócios hoje com gestão eficaz e mercado consumidor crescente, que demandará manutenção de todos esses fatores para que tudo continue assim.

E ainda existem demandas irregulares e a uniforme (sim, pode ocorrer), a demanda por encomenda e, atrelado a isso, o fator de dependência ou independência do produto de outro produto, caso da Gerdau ou Usiminas, por exemplo, uma com maior foco na construção (aços longos) e outra em automóveis.

Falou, falou… mas e a Grendene?

Perdeu market share. Na verdade, vem perdendo nos últimos trimestres e os números são sempre bem abaixo dos divulgados pela entidade do setor referente ao faturamento do mercado interno e externo em geral. Está vendendo menos lá fora e, mesmo que a representatividade do mercado externo não seja tão grande na receita, impacta da mesma maneira. Claro que aqui temos a variável cambial que interfere nos resultados em reais, mas é importante prestar atenção também ao faturamento em dólar – use o exemplo da Forja Taurus, que vendeu mais no 3º trimestre nos EUA, porém com preços mais baixos (descontos) por lá, e isso afeta a comparabilidade dos trimestres nas duas variáveis (volume x receita x câmbio).

No 4T2019, a receita bruta recuou 10% em relação ao 4T2018; no mercado externo, queda de 18,8% na receita bruta e 23,8% nos volumes exportados; já no mercado interno, recuo de 8,7% na receita bruta e 9,4% nos volumes. No total, a empresa divulgou uma queda de 11,9% nos pares produzidos, ou 6,6 milhões a menos de sapatos. Ainda assim os números são significativos, sendo comercializados 49 milhões de pares no 4T19 e 150,8 milhões de pares no ano de 2019.

E atenção ao fato de que houve redução de volumes, redução de receita bruta, obviamente, mas a receita bruta por par aumentou, e sabemos o que isso significa, não é?

Nos 12 meses de 2019, a receita bruta recuou 11% em relação a 2018.

Ou seja, ao que tudo indica, a empresa tem problemas para resolver, afinal o recuo de venda/faturamento por vários períodos pode ser sinal de problemas no mix de produtos, falhas na rede de distribuição, parcerias de comercialização que não funcionam, precificação (veja a MDIAS e a estratégia de um setor de precificação para setor norte e sul do país), falhas no reconhecimento da necessidade do público, entre outras possibilidades. E tudo isso tem relação direta com projeção de demanda, com verificação de onde estão os pontos fracos de consumo para antecipá-los, seja através de KPIs mais inteligentes, ou de qualquer tipo de dados que possam ser coletados e que deem à gestão a informação para que ela produza o produto certo, na cor certa, no modelo certo, com a qualidade certa, entregue no local correto e pelo preço que o mercado aceita pagar.

Logo, voltando aos números da Grendene, obviamente o lucro bruto também recuou no trimestre e no ano, Ebitda e ebit (que é mais usado devido à posição de caixa gigante) idem, resultado financeiro negativo no trimestre (devido a menores receitas com variação cambial), mas positivo no ano. O caixa gerado na operação foi de R$ 426,8 milhões e o lucro líquido recuou 16,4% no trimestre para R$ 210,1 milhões, e no ano um recuo de 15,5%, fechando 2019 em R$ 495 milhões. O caixa/disponibilidades continua alto como sempre, R$ 2,0 bilhões no final de 2019 contra R$ 1,8 bilhão em 2018, representando 101,3% da receita líquida acumulada nos últimos 12 meses. Isso mesmo, saltou de 84,7% em 2018 para 101,3%.

A empresa tem um caixa gigante, as aplicações financeiras, mesmo com taxas menores, ainda renderam no ano R$ 144,8 milhões, um aumento de 6,9% e um resultado financeiro líquido de 178 milhões no ano. E as subvenções continuam – para saber mais sobre elas, leia a partir da página 70 do relatório de administração da companhia referente ao ano de 2019. Nesse mesmo relatório ela divulga o CAGR dos principais indicadores de 2014 a 2019 (página 7), caso tenha interesse em ler Relatório da Administração 2019.

A propósito, para quem ainda não conhece o negócio, ele tem como atividades principais: o desenvolvimento, produção, distribuição e comercialização de calçados de plástico, feminino, masculino e infantil, operando em cinco plantas industriais, no Ceará, Bahia e Rio Grande do Sul, é dona das marcas Melissa, Grendha, Zaxy, Rider, Cartago, Ipanema, Pega Forte e Grendene Kids.

Por fim, independentemente da empresa, é sempre importante prestar atenção no processo que gera o valor, e se ele não estiver com problemas, busque saber as estratégias que a empresa está adotando para melhorar os números e reverter o quadro, afinal, negócios são dinâmicos e a diferença entre quem fica e quem some a grosso modo é o quanto a gestão entende o seu mercado consumidor e o quanto de capital ela possui para “bancar” o que precisa.

Lembrando que não é recomendação de compra ou venda de ativos.

Daniel Nigri com apoio da Patrícia Rossari

O analista Daniel Nigri CNPI1810 é o responsável pelas informações perante a ICVM 598

As informações não constituem recomendação de compra ou venda de qualquer ativo

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