Por Patrícia Rossari
O EQUÍVOCO: você calcula o que é arriscado ou recompensador e sempre escolhe maximizar ganhos enquanto minimiza as perdas.
A VERDADE: você depende de emoções para contar se algo é bom ou ruim, estimando muito as recompensas, e tende a ficar com suas primeiras impressões. David McRaney
A primeira bolha especulativa registrada não nasceu de relatórios contábeis, IPOs glamorosos ou valuations mirabolantes. Nasceu de “pura sorte”. Em 1687, o capitão William Phillips retornou à Inglaterra com o equivalente a um prêmio de loteria: 32 toneladas de prata e baús de joias retirados de um galeão espanhol naufragado.
O lucro? £190 mil da época, algo como R$ 800 milhões em valores atuais. Um retorno de 10.000%, foi a fagulha perfeita para incendiar a imaginação coletiva.
E então Londres se encheu de aventureiros de gabinete. Nos cafés da Exchange Alley, pipocavam empresas de caça ao tesouro, cada um queria seu pedaço da prata espanhola, mesmo que não tivesse navio, tripulação ou ideia de onde mergulhar. Como financiar a festa? Fácil: lançando ações.
Empresas de equipamentos de mergulho chegaram a se valorizar 500% antes de abrir as portas. Soa familiar? Três séculos depois, a mesma coreografia se repetiria com as empresas “X” de Eike Batista. Promessa primeiro, execução talvez depois.
Euforia total, crédito abundante, gente pegando empréstimo com banqueiros para aplicar em papéis que não passavam de boatos. O que poderia dar errado? A realidade, claro.
O mar não estava cheio de tesouros. Phillips foi exceção, não regra, mas a lenda urbana se espalhou como fogo em palha seca, transmitida pela rede social do século XVII: os cafés.
O governo britânico chegou a cogitar proibir o mercado de ações. Veja a ironia: em pleno século XVII já se discutia a toxicidade de vender “empresas de papel” para uma população embriagada de esperança fácil.
A fórmula da ganância é atemporal
Se trocarmos “tesouro espanhol” por “criptomoeda do momento”, “startups de IA da disruptura” ou “green tech como nunca se viu antes”, a história é a mesma: promessa, narrativa, dinheiro fácil no início, avalanche de seguidores, colapso inevitável.
A Companhia dos Mares do Sul, no século XVIII, foi outro exemplo clássico. Parceria entre governo e mercado, uma aula de como transformar especulação em política pública. A bolha inflou tanto que até Isaac Newton caiu nela. O gênio da física vendeu cedo, embolsou 100% de lucro, mas não resistiu à tentação de voltar quando os preços dispararam. Perdeu feio, sua frase virou mantra da irracionalidade humana:
“Posso calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a loucura das pessoas.”
Se Newton não resistiu ao FOMO, por que você resistiria a uma ação que sobe 30% em uma semana?
A dança das bolhas
A Companhia do Mississippi tentou reinventar a economia francesa trocando ouro e prata por papel. Resultado? Um colapso que arrastou o sistema bancário.
Séculos depois, a bolha da internet. Yahoo!, Amazon, Pets.com. Algumas sobreviveram, a maioria foi para o cemitério das ideias boas demais para funcionar.
Um acionista do Yahoo, por exemplo, precisaria esperar 1.573 anos para reaver o investimento, assumindo payout total de lucros. Isso não é investimento, isso é fé religiosa.
Troque Yahoo por qualquer queridinha de fórum, e a lógica continua a mesma. A embalagem muda, o instinto permanece.
A falácia da “disrupção por decreto”
Empresas novas não são ruins por definição, mas pagar preço de diamante por carvão ainda enterrado é um hobby caro.
Ativo não é ticker piscando no home broker; é negócio vivo, com fluxo de caixa, margens, fornecedores e clientes. Quem executa bem sobrevive. Quem só vende discurso vira rodapé de livro de história.
E acreditar que “empresa nova = disruptiva” e “empresa antiga = ultrapassada” é autoengano. O que sobrevive é a utilidade dentro do ecossistema. Pitch de PowerPoint não paga salário nem garante dividendos.
O investidor de 1687 e o de 2025
O script é sempre o mesmo. Euforia, enriquecimento rápido, racionalidade evaporando, bolha inflando. Depois, lágrimas.
Como lembra Alexandre Versignassi em Crash:
“Como qualquer outra bolha, a da internet não bolhou porque o mundo é cheio de imbecis, mas porque estava deixando muita gente muito rica.”
E o recado final
Se você olha para uma ação disparando e pensa que “é a oportunidade de uma vida”, saiba que provavelmente está errado. Não está comprando o futuro. Está comprando esperança.
E esperança, quando embalada como investimento, costuma custar muito caro.
Patrícia Rossari
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