Relações: nada está imune.

 

Eu recebo muitas perguntas, mas uma em particular me fez escrever a nossa conversa de hoje. A questão fazia referência ao fato de que sempre comentamos sobre as relações entre setores, cenário e como isso afeta o movimento dos mercados. E enxergar essa relação é um dos trabalhos de qualquer gestor, entender antes os impactos para não precisar consertar depois. Antecipar e estar preparado para as possibilidades permite ao gestor minimizar as perdas em momentos críticos e também aumentar os ganhos quando os outros ainda estão pensando sobre o assunto. Precisamos estar sempre um passo a frente, mas nunca dar o passo maior que a perna. Não é fácil, mas esse é o trabalho.

E o investidor? Como uma notícia de um inverno mais rigoroso pode aumetar a cotação de uma empresa do agro e pressionar uma de alimentos? Um repasse atrasado ou uma lei alterar o fluxo de caixa e precificar um negócio que é considerado conservador? Um novo modelo de receita que envolve o requisito ambiental pode ser estimado como perspectiva de mudanças futuras? Enfim, selecionei algumas relações básicas para reflexão e contextualização. Vamos a elas:

Vai chover? Afeta o quê?

Agronegócio, alimentos, o seu churrasco de domingo, sua comida à base de soja?

Clima desfavorável valoriza o grão/cereal e a cadeia inteira. Isso reflete na inflação, o bicho papão das economias. Com menos chuvas, a safrinha por aqui fica prejudicada; inverno mais rigoroso lá fora na safra 2021/2022 pode gerar perda de produtividade. O chamado “mercado do clima” sinaliza nos preços o que estão projetando os meteorologistas, o comportamento da natureza, a variável que ninguém controla. Com cereal, grão aumentando preço nos contratos futuros, ocorre também a movimentação da agropecuária, que depende dessas commodities para alimentação dos rebanhos, e quanto menor os estoques, maior a pressão nos preços, nos balanços, e isso movimenta a variação dos ativos biológicos, que tem impacto contábil, ou seja, as relações da variáveis compõem os comportamentos dos preços.

Quanto maior o preço do milho, mais afeta o custo da indústria de alimentos (aves/suíno), ou  seja, se não chover mais, a quebra da safra será maior, e com isso fica mais pressionada a margem, afinal, custo aumenta e consumo com renda menor, fica comprometido para alguns produtos e marcas. E veja que apesar dos aumentos dos últimos meses nas carnes suína e de ave, o preço foi reajustado em % menor do que no atacado, ou seja, seguraram o preço na cadeia, e não foi pouco.

O preço do milho (saca) dobrou no período de 12 meses e o da soja subiu cerca de 80%.

E sobre a taxa zero para importação do milho, até final de 2021, não teve grande influência no preço. E aqui os grandes reponsáveis são os já citados: estoques baixos e o custo logístico alto, além do impedimento de algumas variedades de milho dos EUA serem importadas para o Brasil, o que já há alguns anos empresas de alimentos contestam e solicitam a liberação.

E o trigo? Pode ser uma opção? Pode, desde que o custo compense a produção na área durante o período, e lembrando que segundo dados da Abitrigo, a moagem permaneceu com números estáveis em 2020. Também no ano passado, o Brasil importou 6,3 milhões de toneladas de trigo, o que representa metade do volume para abastecimento necessário.

E com maior exportação, o que acontece se a safra lá fora também não colaborar? As indústrias optam então por comprar mais cedo a produção, e isso tem relação com preço. E aqui você já sabe, afeta o resultado da empresa e o quanto tu vais pagar pelos produtos nos supermercados

Ainda sobre inflação, qual a relação do petróleo nos EUA, Rússia e Arábia Saudita com o preço que tu pagas pelo produto na gôndola?

Considerando a política de preços usada hoje, se o preço do barril sobe, o combustível aumenta de preço. Isso altera o preço do frete, e com nosso modal concentrado (mesmo que com leve melhora) no modal rodoviário, os preços sobem, o bicho papão da inflação de custos aparece, as pessoas consomem menos e pagam mais, anulando o efeito poupar, o que é ruim, muito ruim. Lembrando que a Petrobras não é monopólio (não legalmente), mas na prática concentra muito da cadeia. E a propósito, antes que tu pense que isso é coisa de Brasil, o México aprovou na semana passada projeto de lei que amplia o controle do governo no mercado interno de combustíves, e o projeto inclusive permite suspender autorizações de empresas para operar no país, usando como argumento razões nacionais de segurança energética, assumindo assim as operações a Pemex Petróleos Mexicanos.

Mercado imobiliário está aquecido? Quem ganha junto?

Empresas investem na produção de aços longos. Muitas dessas operações haviam sido interrompidas no final do último boom imobiliário, antes da recessão de 2015/2016, e voltaram agora – isso mostra a importância de uma gestão que sabe o que faz. Lembrando que a incorporação ganha com juros mais baixos, com mais crédito bancário disponível. E quem vende material de construção e para reformas em geral? Ainda se preocupa com a falta de insumos, que atrasa entregas e encarece preços, o que pode resultar em recuo da demanda.

O minério?

O minério de ferro é o principal produto que exportamos, quando consideradas as exportações de minerais. No 1T2021 aumentou em 16,6% esse número, foram US$ 9,3 bilhões de um total de exportações desse setor de US$ 12,3 bilhões. Nas importações, o principal foram os fertilizantes, o que novamente encontra relação com o agronegócio, aumento de 14,42%, totalizando US$ 1,16 bilhão. Segundo dados do IBRAM, divulgados pelo Valor Econômico, a balança comercial no 1T2021 do minério foi positiva em US$ 10,7 bilhões, observando o fato de que o preço médio no período em questão foi de US$ 166, contra US$ 89 em 2020, com dólar médio em R$ 5,47, contra R$ 4,46 no mesmo período do ano anterior.

Ou seja, o faturamento das mineradoras dobrou e a produção aumentou 15%.

China consumindo muito (e isso se deve em parte à política chinesa de medidas ambientais, visto que a atividade siderúrgica é significativamente poluente) e os planos de infraestrutura americanos afetando mercados nos próximos períodos. Então a lógica é que muito do que se vê hoje no setor, está estimando demanda continuamente crescente (atingiu US$ 193,85 no dia 27/04, superando os US$ 193 de 2011), com custos menores (câmbio) e um sistema logístico aperfeiçoado para tornar mais rentável a operação.

Portanto, com demanda aquecida e produção de acordo, sem ampliar demasiadamanete a oferta, as empresas têm maior receita com custo sob controle, o que faz com que, mesmo as menos eficientes, tenham alta rentabilidade. As que precisam investir terão geração de caixa e não precisarão recorrer a grandes endividamentos para custear capex; as que não têm grandes necessidades de capex irão se tornar grandes negócios com grandes caixas e muitas opções do que fazer com eles, o que também é um perigo, visto que em momentos de muito capital disponível e otimismo de demanda, o crivo dos projetos tende a ser menos exigente.

OBS: segundo dados do setor, as siderúrgicas aumentaram o preço em 35% neste ano, e aqui a relação com o item anterior, aquecimento da construção civil, a Gerdau e a Usiminas retomaram produção em plantas que estavam desativadas.

O cobre, que é o metal industrial mais importante, chegou nessa semana em que escrevo a US$ 9,884 T, sendo que o pico de 2011 foi de US$ 10,190 T.

E os CBIOS?

Segundo divulgado pelo Valor Econômico, dados da consultoria Stone estimaram até 7 milhões de CBIOS acima da necessidade de compra das distribuidoras, que é de 25,2 milhões. A meta do governo para o ano é de 24,86 milhões (explicamos o assunto no material do Dica Beginner e em um vídeo disponível no YouTube), sendo que a capacidade de geração de CBIOS deve chegar, segundo os dados divulgados, em 27,7milhões no ano.

Isso gera receita para as indústrias/usinas, mas veja que estamos falando de oferta e demanda, e por enquanto está em sintonia (próximos anos a projeção pelo menos é essa), tanto que o preço médio recuou de R$ 43,00 em 2020 para R$ 31,00 nesse ano (3x menos que EUA, por exemplo), mas veja que como qualquer negócio em uma economia “livre”, a operação pode aplicar regras de oferta comuns, por exemplo, vender quando o preço estiver mais atrativo, visto que não existem condições de prazo.

Então é uma possibilidade para as empresas do setor? A pergunta, na verdade, deveria ser: por qual motivo não seria?

Setor de energia?

A Aneel reprogramou o pagamento de indenização às transmissoras. O prazo agora é 2027. Isso é fruto do ocorrido em 2015, para quem não lembra. As parcelas anuais serão de R$ 2,22 bilhões em 2021 e de R$ 3,25 bilhões em 2022,  detalhe é que já pagamos (sim, nós pagamos) R$ 8,31 bilhões. De 2023 até 2027 serão R$ 6,69 bilhões que vamos pagar. Estamos falando de RAP, então precifica negócios, afinal, altera fluxo de caixa e consequentemente os investimentos referentes às substituições de ativos ao final de sua vida útil, e isso altera preço, portanto, faturamento. E se faz isso, o mercado observa e assume valor no movimento ou não, colocando na mesa a alegria ou a frustração pela notícia.

Por fim, as Questões Ambientais, que interferem no negócio e no preço, pois fazem parte da operação. A evolução nos negócios é algo que ocorre naturalmente, com boas ideias/recursos para fazê-las acontecer e pessoas com renda e curiosidade para acessá-las e consumi-las, além, obviamente, de uma questão bem mais clara, que é o entendimento da finitude dos recursos, encarecimento dos processos com sistemas pesados e sem flexibilidade, etc. E a tecnologia é uma necessidade para esse processo de melhoria, de gestão cada vez mais enxuta, com menos perdas, mais qualidade e confiabilidade no produto/serviço.

Aliás, o Banco Central vai exigr que os bancos monitorem o risco climático, ou seja, eles deverão adicionar fatores sociais, ambientais e climáticos nas políticas de gerenciamento de risco. Então não serão mais apenas os riscos de liquidez, crédito e mercado, temos mais uma variável na conta, integrada aos demais. Veja que não são apenas ambientais, mas sociais – aqui entram questões como assédio, discriminação e trabalho infantil.

Porém, veja que isso não impede operações, apenas define quais são os parâmetros que serão considerados nas avaliações, ou seja, se o risco de não cumprimento for maior, o custo do crédito também será.

Para não prolongar demais a nossa conversa, analise quais as empresas que mais evoluíram resultados nos últimos anos e veja os investimentos em tecnologia e logística. A evolução ocorre em empresas que fazem a utilização inteligente dos recursos, afinal, de boas ideias sem aplicabilidade, se fazem cemitérios de negócios. E duvidar das mudanças apenas porque elas te assustam, também não é eficaz.

Negócios são dinâmicos, mercado consumidor é que define a perpetuidade e o investidor precisa de gestão ativa.

“Muitas empresas não fazem sucesso com o tempo. O que elas fazem de errado? Geralmente, elas esquecem o futuro”Larry Page

Até a próxima semana.

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