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Moeda única ou moeda comum? Entenda diferença e veja como será o projeto de Brasil com a Argentina

O projeto de uma moeda única entre Brasil e Argentina que substitua o real e o peso não existe, o que está em estudo é a viabilidade de uma moeda digital comum que seria usada apenas em trocas comerciais, para reduzir a dependência em relação ao dólar.

O ressurgimento da proposta de criação de uma moeda comum (ou moeda local) a ser adotada por Brasil e Argentina, que antecedeu a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país vizinho – em sua primeira viagem internacional após a posse – foi cercada por falhas de comunicação, críticas e desconfianças.

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Ideia antiga

A iniciativa de uma moeda comum é antiga. Em 1987, os governos de José Sarney e Raul Alfonsín chegaram a batizar uma moeda escritural a ser criada de “gaúcho”, mas ela nunca foi além do memorando inicial. O próprio Lula também propôs algo similar em 2002, quando foi eleito para seu primeiro mandato. Na época, a iniciativa era partir de uma “moeda verde” que abarcasse apenas os produtos agrícolas e fosse o primeiro passo para uma moeda comum.

Porque hoje não é viável

O problema é que a Argentina precisa de dinheiro para alavancar seu comércio com o Brasil e isso está em falta. As reservas internacionais do parceiro comercial mala chegara a US$ 43 bilhões no ano passado. Para efeito de comparação, o Brasil, por exemplo, fechou ano passado com US$ 324,7 bilhões em reservas.

Exportar hoje para a Argentina está complicado porque eles não conseguem fechar o câmbio.

Hoje, existe um sistema de pagamentos em moeda local chamado de SML, mas movimenta poucos recursos. Segundo dados do BC, entre operações de exportação e importação, o SML movimentou cerca de R$ 4 bilhões em 2021 e em 2022, com pouco mais de 10 mil operações em cada ano.

Por esse sistema, pagamentos e recebimentos são efetuados diretamente em reais, sem a necessidade de moeda intermediária, como o dólar, dispensando contrato de câmbio. Ou seja, exportadores e importadores dos países conveniados realizam as operações de compra e venda usando suas moedas locais, sendo o próprio SML encarregado de efetivar a conversão, a partir de uma taxa pré-estabelecida.

E por que isso é importante?

Para importar do Brasil hoje, a Argentina depende de uma terceira moeda (dólar), a qual hoje não possui fácil acesso devido à sua intensa crise econômica.

Assim, o ‘peso-real’ seria uma alternativa ao dólar, atendendo aos interesses do comércio entre os dois países, não sendo necessário que nenhum dos países envolvidos na transação utilize o dólar como ‘ponto de encontro’ de suas transações comerciais.

Hoje, em suas relações comerciais, o caminho do câmbio entre Argentina e Brasil é: Peso argentino – Dólar americano – Real brasileiro. Com o ‘peso- real’, teríamos: Peso argentino – ‘peso-real’ – Real brasileiro.

Vale ressaltar que o ‘peso-real’, ao menos como foi apresentado até o momento, também seria flutuante, ou seja, se o peso argentino se desvalorizar, ele também perderia valor frente ao ‘peso-real’.

Por fim, a criação de ‘reservas financeiras’ em ‘peso-real’ e não em dólar permitiria que as economias da região tivessem um comércio facilitado entre si e especialmente com o Brasil. Trata-se de uma ferramenta econômica de fomento comercial entre os países.

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O que é moeda comum?

É basicamente quando dois ou mais países escolhem usar uma mesma referência monetária em suas negociações comerciais. A moeda comum funciona como uma referência para trocas financeiras, não como uma divisa circulante, como é o caso do real e do peso.

Este é o modelo que está sendo estudado por Argentina e Brasil hoje. Neste sistema, as importações, exportações e demais negociações entre as autoridades financeiras são feitas com base no valor da moeda comum.

A população e os turistas, por sua vez, continuam usando a moeda local de cada país.

Atualmente, o dólar norte-americano é a referência usada na maioria das operações financeiras e comerciais. Com isso, o poder econômico de cada nação acaba sendo influenciado por questões como disponibilidade de dólar no país (reservas) e flutuações da cotação em relação à moeda local.

O que é moeda única

Diferentemente da moeda comum, a moeda única substitui as unidades monetárias nacionais nos países que participam do sistema. Funciona, portanto, como uma divisa corrente também, não apenas uma referência para exportações e importações.

O exemplo mais conhecido é o euro, usado por 20 dos 27 países-membros da União Europeia. Além de valer para negociações entre os países, o euro é a moeda oficial de cada nação, usada pela população e por turistas em compras do dia a dia.

Mais complexa de ser implementada, a união monetária precisa de instituições políticas compartilhadas (um mesmo Banco Central, por exemplo). É um processo que leva décadas e exige que os países tenham certa semelhança em suas estruturas econômicas e fiscais.

Para analistas, a criação de uma moeda única na América do Sul, a exemplo do que acontece na União Europeia, é uma possibilidade irreal.

O que efetivamente Brasil e Argentina negociam?

A proposta do governo brasileiro é criar uma moeda comum para transações entre os dois países. O principal objetivo é não precisar recorrer ao dólar e, assim, facilitar a integração regional.

Inicialmente, a ideia é batizar a moeda de “sur” (sul), que seria digital e serviria apenas para as negociações comerciais e financeiras. Ou seja, a divisa não substituiria o real e o peso. Argentina e Brasil seguiriam com suas moedas normalmente.

Detalhes da proposta, prazos para implementação e outras informações ainda não foram divulgadas. Por enquanto, o que há é um acordo entre os dois governos para começar estudos técnicos.

No entanto, alguns pontos sobre a moeda comum haviam sido apresentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e por seu secretário executivo, Gabriel Galípolo, em artigo publicado na Folha em abril de 2022 (antes das eleições presidenciais).

A moeda seria emitida por um Banco Central Sul-Americano, com uma capitalização inicial feita pelos países-membros, proporcional às suas respectivas participações no comércio regional.

De acordo com Haddad e Galípolo, a integração monetária na região seria capaz de inserir uma nova dinâmica à consolidação do bloco econômico, ao “oferecer aos países as vantagens do acesso e gestão compartilhada de uma moeda com maior liquidez”.

Isso pode ser uma realidade?

Oficialmente, os estudos técnicos acordados entre os dois países vão apontar para a viabilidade ou não de uma moeda comum.

Contudo, especialistas indicam alguns desafios. Em entrevista à Folha, o economista e estudioso das relações internacionais Otaviano Canuto menciona o apego dos argentinos ao dólar, destacando que essa peculiaridade é apenas uma das muitas dificuldades que podem envolver a integração financeira entre Brasil e Argentina.

Segundo ele, os brasileiros até aceitam pagamentos em peso, mas os argentinos só querem dólar. Os bancos centrais, ele diz, teriam de coibir essa preferência, o que pode não ser trivial.

Além disso, Canuto frisa que moedas precisam de lastro, algo ainda incerto na proposta de Argentina e Brasil.

A diferença de estrutura econômica dos países, da inflação e das políticas fiscais também precisam ser consideradas antes que a moeda comum se torne realidade.

Qual a diferença do Euro?

A principal diferença é que o sur não envolve a substituição das moedas nacionais, como aconteceu com o euro.

Há também diferenças de objetivo e de abrangência. A proposta da moeda comum entre Argentina e Brasil é facilitar transações bilaterais, hoje prejudicada pela dependência do dólar, moeda que a Argentina não tem tantas reservas.

Inclusive, para evitar confusões com o euro e com a ideia de moeda única, há previsão de que o termo usado para se referir ao sur seja “unidade de conta”.

O real pode acabar?

Não. A criação do sur não envolve a extinção das moedas nacionais. Peso e real continuariam sendo usados normalmente. A moeda comum tampouco seria uma “divisa paralela” para Brasil e Argentina.

Na última segunda (23), o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, ressaltou que a ideia nada tem a ver com uma substituição das divisas circulantes em cada país.

Quais as vantagens e desvantagens da moeda comum?

A moeda comum facilita as transações comerciais entre os países, ao retirar a necessidade de converter os valores para o dólar.

Reservas de moeda estrangeira e flutuações da cotação em relação à moeda local também passam a influenciar menos nas exportações e importações entre os países parceiros.

Antecipar desvantagens é complexo considerando que o modelo não está desenhado. No entanto, é de se esperar que um novo sistema imponha custos de implementação, adaptação e formação profissional aos países.

No caso da moeda única, como o euro, um dos pontos positivos é a facilidade em trocar moeda entre os países que participam do sistema. Pessoas e empresas ganham com a simplificação de transferências e pagamentos além das fronteiras.

A integração dos mercados financeiros também pode ajudar os países a ganharem mais eficiência, assim como garantir maior estabilidade de preços e credibilidade.

Em relação às desvantagens, a principal é a perda de autonomia em alguns temas. Ao fazer a integração monetária, os países abrem mão de tomar algumas decisões de política monetária individualmente, como a possibilidade de definir a própria taxa de juros.

A escolha do sistema fiscal também precisa estar em concordância com os demais países. Taxas de câmbio, políticas econômicas e estratégias de endividamento devem estar alinhadas, como forma de evitar que alguns países assumam o risco de outros.

A ausência de concatenação fiscal, por exemplo, é considerada uma das razões para a crise do euro da década passada.

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