“Não basta dirigir-se ao rio com a intenção de pescar peixes; é preciso levar também a rede”.
Caso tenhas lido os textos anteriores, já sabes que sou adepta do óbvio, que ele funciona e, atualmente, faz muita falta no ambiente de negócios. A necessidade de ser disruptivo em tudo e com tudo, acaba fazendo com que algumas atividades do processo operacional corram o risco de ser relegadas a um status de menor importância, como por exemplo: “vamos investir pesado em uma embalagem que seja inovadora, disruptiva, icônica, linda, cheirosa, ecologicamente correta”, mas esquecem de pensar se é possível manter a operação com a mesma estrutura disponível, com os mesmos custos e com o mesmo tempo utilizados com a embalagem anterior.
Não entendeu? Vou explicar melhor:
De 100% do espaço de um contêiner, em média 25% é espaço não ocupado.
Como assim? Qual motivo?
Principalmente pela ausência de padronização nas embalagens, ou seja, não tem as medidas base múltiplas dos pallets (aqui entra em cena a questão dos caminhões e dos contêineres). E isso importa por quê?
Pois estamos falando de custo. Claro que embalagem vende, sabemos disso, mas é importante lembrar que a falta de atenção a coisas óbvias e não tão disruptivas causa prejuízos e acaba matando boas ideias.
Resumindo: quer mudar a embalagem? Ótimo, crie uma com asas se quiser, mas lembre-se que ela não voa e, portanto, vai ter implicações no transporte, manuseio, armazenagem, custos e sem esquecer da questão da logística reversa, quando for o caso, ou seja, a necessidade de um programa de gestão de resíduos. Escrevi sobre economia circular na semana passada.
Competir significa ter ferramentas suficientes para lutar pelo cliente com a concorrência e isso só vai acontecer se a empresa estiver conectada com as mudanças e conseguir acompanhá-las. O cliente está consciente de que possui nas mãos o poder de escolher o que quer, quando e onde; então não existe mais espaço para trabalhar com base em clientes perpétuos, sem considerar questões econômicas macro, evolução do mercado consumidor e concorrência. E isso significa que o negócio precisa manter o óbvio em funcionamento para que o revolucionário ocorra, afinal, você pode ter o melhor produto do mundo, mas ainda vai precisar da operação funcionando para que ele chegue até mim, e funcionando bem, se quiser que eu volte a comprar; e ser ótimo, caso queira que eu recomende para os meus amigos. A velha máxima: não basta ter um vendedor, é preciso ter produto e vontade de vender.
Quer um bom exemplo de ferramenta que pode ser usada?
Aquela que serve para orientar um planejamento de negócios, verificação de riscos e de potenciais oportunidades, e veja que não serve apenas para novos negócios. Aliás, esse é um equívoco comum, acreditar que planejar e avaliar mercado são coisas de plano de negócios, aquele documento que é preenchido com a ideia principal do case e posterior detalhamento. Mas não é apenas nesses casos. Pelo contrário, a ideia é que você rode com a frequência necessária e, principalmente, use as informações de forma útil e prática. Inclusive, quem é investidor pode reconhecer inúmeros detalhes referentes a esses destaques nos materiais de divulgação dos resultados, principalmente nos releases.
Que ferramenta é essa? As forças de Porter.
Sem mais delongas, vamos a elas. Michael Porter, no artigo “Como as forças competitivas moldam a estratégia”, de 1979, inovou nas considerações referentes ao impacto do ambiente externo, focando na utilidade de transformar dados em informações e usá-las para obter o máximo de retorno na atividade. Então, as empresas começaram a enxergar que variáveis competitivas não são apenas uma competição de empresas que partilham o mesmo mercado, mas dados essenciais no exercício da adaptação e sobrevivência à evolução dos mercados.
Na prática, trata-se de um modelo de análise qualitativa, que considera uma força central e quatro acessórias, refletindo de formas diferentes no negócio, usando perguntas como:
Quem são principais concorrentes?
Qual o posicionamento da marca deles no mercado?
Qual o diferencial que eles possuem em relação ao nosso processo?
Qual o tipo de cadeia de fornecimento e distribuição eles possuem?
Que tipo de serviço eles oferecem além dos que eu ofereço?
Quem são os concorrentes diretos e indiretos?
Qual a situação mercadológica das marcas?
Público é o mesmo para todos os produtos em que concorrem?
Qual percentual de receita equivalente a cada marca e qual percentual do concorrente?
Custos da concorrência se igualam aos seus?
Qual estratégia de fidelização usada?
NOVOS ENTRANTES
Economia de escala é uma barreira no setor? (tecnologia)
A imagem do produto é forte a ponto de os novos entrantes precisarem desmistificar a fidelidade do cliente ao produto? Investindo muito forte em marketing sem certeza de resultado? (cosméticos e remédios)
É necessário muito investimento de capital para suprir demanda de mercado? (automobilísticas)
Custos e tamanho são variáveis dependentes nesse negócio? (alimentos)
Distribuição é algo que pode impedir uma concorrência mais acirrada? (caso clássico da AmBev)
Existem barreiras de entrada? (saúde)
Economia de escala? Canais de distribuição? (logística)
Possibilidade de diferenciação de produto?
Necessidade de Capital? Asset Light? Ou custos/tecnologias são um empecilho?
PODER DE BARGANHA DOS FORNECEDORES
Setor de fornecimento é dominado por poucas empresas? Falei sobre isso algumas semanas atrás.
Poder de reduzir ou aumentar preços? Lembre sempre de avaliar a margem .
Alteração da qualidade do produto/serviço? Logística, desde fornecimento, produção, até entrega.
Existe competição entre fornecedores?
Como são os funcionamentos dos termos de compra? Contratos.
Você é importante para seu fornecedor? Existe poder de barganha? Alguns ativos listados mostraram essa força durante a pandemia.
Existe risco de perder fornecedor para concorrência? Muita gente ainda acredita que isso não acontece, mas acontece sim.
PODER DE BARGANHA DOS CLIENTES
Seus produtos são diferenciados o suficiente para o cliente ficar sensível ao preço em caso de concorrência direta? Foco ambiental, status, etc.
A qualidade é um fator de comparação do seu produto? Ela é determinante para a escolha? Olho no ticket médio.
Seu produto sofre com ação direta do cliente; isso afeta a demanda? Existe opção de maximizar venda através de ação do varejo ao cliente final, por exemplo? Indústria e a relação com os supermercados. Sabe aquele stand que fica em melhor posição no corredor? Pois então!
Existe seleção de compradores?
Existe diferença de qualidade e preço para clientes? Falamos diversas vezes sobre precificação aqui na série.
Existem estratégias para realocar custos e diferenciar produtos para os clientes existentes? Planejamento comercial. E não adianta fazer apenas quando a empresa já está em RJ. Fica a Dica.
AMEAÇA DE PRODUTOS SUBSTITUTOS
Ficar atento a produtos que podem ser oferecidos com qualidade igual/superior e preço menor pela concorrência. Duvido que você não tenha lembrado da Cielo.
Minhas margens estão altas em um determinado produto e não possuo alternativas caso a concorrência comercialize o mesmo produto, o que irá reduzir minha receita e afetar minha margem. Qual o plano B?
Produtos que podem ser oferecidos com menor qualidade e menor preço e ainda assim serem aceitos e substituir produtos de maior valor é uma possibilidade? Veja o mix de produtos das empresas, veja, por exemplo, a indústria dos eletrodomésticos e eletrônicos.
Seus produtos possuem patentes e marca registrada? Lembram da Klabin?
É possível manter contratos de exclusividade em seu negócio? Olho nas sistemistas.
Falhas de atualização produto/serviço. Aqui é importante olho vivo no capex, o quanto de receita as empresas andam investindo para continuar evoluindo no jogo.
Caso a empresa não acompanhe o mercado consumidor, a possibilidade de ser sugada pela concorrência é grande, e não faltam exemplos ao longo da história de marcas que sucumbiram devido à falha mortal que é acreditar que seu produto é único e nunca nenhuma outra empresa irá oferecer o que você oferece, ou ainda, ter ótimas ideias, mas esquecer que é preciso uma operação REAL e que funcione para que existam resultados. Viu só? O óbvio apareceu de novo.
Negócios continuam morrendo por falhas de gestão/planejamento, ausência do BE-A-BÁ, do óbvio, mas costumamos dizer apenas: culpa da concorrência.
“Só sacia sua sede quem bebe pela própria mão.”
Até a próxima semana! Um abraço.
Patrícia Rossari.
Gestão & Logística.
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