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De Olho na Gestão Nº9

“Tudo o que acontece uma vez, pode nunca mais acontecer, mas tudo o que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira.”

 

 

Sabe aquele produto ou serviço que você tem plena consciência que pagou caro, mas mesmo assim adquiriu, pois o preço não era a variável definitiva na escolha? Pois bem, a gestão sabe quando o produto/serviço tem essa característica, e faz uso disso na precificação. Caso não faça é porque a modelagem não está entendendo o jogo do mercado.

E falar disso por qual motivo, Patrícia?

Falamos de precificação há algumas semanas e muitas pessoas questionaram como precificar o valor do serviço adicionado, da escassez em determinados cenários de mercado, ou ainda, que tipos de negócios conseguem incorporar no preço a qualidade do produto/serviço. O que difere a necessidade do desejo de consumo quando você é o investidor/empreendedor e não o consumidor?

Exemplo:

Cliente pagaria mais caro por uma entrega mais rápida se pudesse esperar pelo seu produto?

Ele pagaria mais caro se pudesse esperar, mesmo o modal mais lento aumentando a probabilidade de avaria no seu produto?

Pagaria mais caro se a recorrência não gerasse nenhum benefício a ele?

Pagaria mais caro se o produto/serviço não estivesse ligado à necessidade de confiabilidade em suas marcas como algo determinante para a qualidade? (Essa pega muita empresa de calça curta nas crises.)

Pagaria mais caro para ter algo que sempre quis desde a infância, mesmo existindo hoje produtos iguais, mas de marcas diferentes, ou seja, concorrência faz o mesmo com outra marca? (Por que tu achas que as empresas insistem tanto em apelar para seu lado emocional nas propagandas?)

Pense como cliente agora: o que é caro para você tem relação com a sua renda, sua capacidade de pagamento? Ou está relacionado com a validação em termos de usabilidade? E agora veja isso em termos de valor de consumo baseado em premissas, desde qualidade até status.

Então vamos ao óbvio, afinal, como já citei lá nos podcasts, às vezes o óbvio é tudo o que precisamos: a relação entre valor e preço precisa ser compreendida na essência do negócio que gera o valor. Nós pagamos pelo custo + mk daquilo que compramos, mas dentro dessa conta de markup pode estar precificada a sensação obtida com a compra do produto/serviço. E isso para a empresa é lógico, se existir um sistema de precificação eficiente, claro. Mas e para o investidor, isso é importante por quê?

Explicando da forma simples, é devido ao fato de que a rentabilidade da sua carteira, a geração de renda dos seus investimentos, depende do resultado dos negócios (ativos) que você compra, e esse resultado ocorre, em essência, pelo consumo do produto/serviço que a empresa fornece, aliado à eficiência da gestão e dos processos. E isso passa pela precificação e pela imagem da empresa no mercado, afinal, o consumo está ligado a muitas variáveis, visto que hoje temos uma gama de escolha muito maior que há 20 anos.

Você já questionou o motivo de alguns ativos serem negociados com preço sobre lucro tão elevado? Com certeza, né? E tem o grupo que acha tudo disruptivo, o outro grupo que acha furada, e o grupo racional que entende que a evolução ocorre, porém não são todos os players que conseguem sobreviver a essa jornada de investimentos e ficar de portas abertas até serem de fato rentáveis.

Aliás, hoje existem vários exemplos de empresas com valores de intangíveis aumentando, ágios elevados, goodwill, que futuramente se não se concretizarem acabam sofrendo impairment, e aqui vamos abrir um parêntese para responder uma pergunta:

E isso afeta a DRE?

Sim, pois influencia, por exemplo, no imposto diferido. Logo, mesmo não sendo caixa, o efeito contábil vai existir e impactar o lucro. Ou seja, quanto vale a marca hoje? E por quanto ela é contabilizada? A projeção de retorno do negócio vai afetar o quanto o mercado irá cobrar de ágio por ela, e isso tem sim relação direta com a precificação do serviço/produto, que por vezes é uma estratégia de aumentar a base de clientes em detrimento de receita (novos negócios). E sim, tem um limite para fazer isso de forma saudável, e outras vezes é cobrar pelo serviço/produto usando uma margem maior, que considera a qualidade e o nível de serviço agregado.

Aqui, mais um exemplo pra facilitar: uma joia não é só a pedra no anel, é onde ela foi comprada (embalagem está no preço, assim como a marca); o café não é apenas o preço do grão, é a marca que você prefere, com a embalagem que te atraiu ou que te faz relembrar um outro tempo (inclusive isso já foi material para um comercial de TV marcas diversas, aliás, tem uma por aqui que é campeã nisso, até eu espero nos finais de ano o comercial impactante).

Ainda não está claro como a precificação não é algo generalista? Então vamos recorrer ao mestre, vamos usar o clássico paradoxo da água e dos diamantes, usado por Adam Smith alguns séculos atrás no livro A Riqueza das Nações, e isso é um exemplo claro da margem econômica, ou seja, o que atribuímos de valor a um produto, serviço, pessoa, etc.

Primeiro passo, listar as premissas:

             Diamantes não são essenciais para a sobrevivência de ninguém.

             Água é essencial para a sobrevivência de todos.

             Diamantes tem um custo maior de extração (desconsidere aqui todas as ilegalidades que permeiam o processo em alguns locais), além de existirem muitas etapas até que ele possa ser comercializado e colocado à venda no mercado.

             Água tem um custo de produção menor (tratamento, canalização, etc.), considerando que para alguns o custo é apenas de energia para levar a água até o destino, em outros casos nem isso existe.

             Diamantes não existem em qualquer lugar, não é um material que podemos encontrar com facilidade, o que o torna mais raro, mais desejado, ou seja, agrega-se mais valor pela escassez, tornando assim o produto extremamente caro. Embora não seja em nenhuma instância essencial, o valor é muitas vezes inestimável.

             Água em grande parte do mundo é abundante, temos uma boa parte da água doce do planeta no nosso país, ou seja, não existe escassez, o que viabiliza o preço mais baixo em relação ao valor essencial que ela possui, basta que você lembre o que acontece com as empresas de saneamento em épocas de estiagem.

             Em locais onde a água é escassa, acaba se tornando um bem inestimável e mais desejado que o mais belo e raro diamante da terra.

No mundo, cerca de 750 milhões de pessoas não têm acesso à água potável, principalmente no Oriente Médio e na África, e essa escassez gera conflitos, como por exemplo, países em conflito por controle da vazão dos rios, ou então exploração de aquíferos no Saara, ou seja, existe mais valor na água lá do que aqui. Essencialmente, a necessidade dela e a utilização é a mesma, porém atribuímos valores diferentes pela escassez e não pela essencialidade.

O mesmo vale para qualquer produto. Um exemplo recente foi a alta no preço dos materiais de construção, do vidro, alumínio, commodities, etc. Portanto, a subjetividade do valor eleva os múltiplos nos ativos listados e, nos negócios, movimenta a precificação dos produtos/serviços oferecidos.

Vou usar um exemplo mais simplista: bolacha (ou biscoito, para quem não é daqui). Muitas possuem os mesmos ingredientes, mas a qualidade dos ingredientes pode ser diferente (ou não), porém, são bolachas/biscoitos. Em tese, atendem ao critério essencial de matar a fome. Mas, e se a tarefa da bolacha/biscoito for compor a mesa de uma confraternização na empresa ou na escola do seu filho? Qual a variável adicional que a maioria vai considerar na escolha? Logo, não é apenas uma questão de necessidade nem em produtos essenciais, pelo menos não em épocas de fartura; já em épocas de vacas magras, a precificação muda e a margem reduz.

Veja os setores de energia, saneamento e alimentos. Afinal, mesmo em crises não paramos de beber água, mas deixamos de comprar roupas (usamos as que temos); não deixamos de usar energia elétrica, mas vamos menos ao cinema; não paramos de comer, porém trocamos a picanha pela salsicha; e quando estamos doentes, continuamos comprando remédios.

Ok, mas e qual é a lógica da análise então?

Em termos de valor é entender como as empresas estão trabalhando para adequar seus projetos e então conseguir um maior valor agregado, seja através de aquisição de mais marcas ou expandindo para negócios onde a projeção de demanda futura está com um risco aceitável para o investimento nas taxas atuais, ou então desinvestindo e buscando aperfeiçoar/enxugar processos, na tentativa de elevar o valor agregado do produto. Neste caso, algo que o mercado pague mais caro porque é mais escasso, ou porque ela faz melhor que a concorrência, aumentando assim a margem, contribuindo para uma absorção de custos mais adequada, principalmente nas baixas dos ciclos. E sim, isso afeta o preço que tu pagas pelo produto na prateleira.

O verdadeiro valor das coisas é o esforço e o problema de as adquirir.

 Adam Smith

 

 

Patrícia Rossari.

Gestão & Logística.

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