“Nada é permanente, exceto a mudança.”
Heráclito.
O investimento em sustentabilidade não é algo que surgiu nos últimos três anos, meu jovem. Muito pelo contrário, o assunto é abordado há décadas, e a título de contextualização, um dos eventos que marcaram a importância do tema foi o petroleiro encalhado Exxon Valdez, no Alasca, em 1989, onde ocorreu o derramamento de petróleo bruto, gerando um desastre ambiental. E se você refletir um pouco, vais perceber que são inúmeros os desastres ambientais, com consequências sociais inclusive, que presenciamos ao longo dos anos que se seguiram, aqui no Brasil e pelo mundo.
Mas a história começa antes desse evento, em 1971, quando foi criado o PAXWX, que foi o primeiro fundo mútuo sustentável, e os responsáveis por isso foram dois ministros metodistas. E tu sabes qual era o objetivo na época? Pois bem, eles não queriam investir o dinheiro da igreja em empresas que financiavam a guerra do Vietnã. Eis que então tínhamos um plano de investimento com base em responsabilidade social e ambiental.
Já em 1977 surgem os famosos “Princípios de Sullivan”, e tu sabias que eles foram a base para os critérios do Global Compact Initiative da ONU nos anos 2000? E é aí que entra a tão falada sigla ESG – Environmental, Social & Governance, que está em voga nos materiais de divulgação dos negócios, com destaque, pompa e circunstância, e que vem tomando o lugar de destaque, em alguns players, da palavra mágica Omnichannel, provando que é preciso aproveitar os minutos de fama que temos.
PS: obviamente o trecho acima contém ironia, visto que não basta apenas destacar as siglas, pensar na teoria como algo lindo e sem falhas, mas traçar estratégias práticas, que tenham impacto de fato no processo, no produto, no consumo. Afinal, traçar belos objetivos de preservar o ambiente não é difícil, mas colocar em prática, com custo-benefício atrativo, sendo uma estratégia que possa ser mantida e melhorada, isso depende de projetos viáveis na prática e não apenas no papel.
PS2: não custa nada lembrar que os critérios do ESG são de bases ambientais, sociais e de governança corporativa, atendidos individualmente ou como processos que integrem os critérios.
Vou usar um exemplo bem simples para contextualizar na prática:
Na tua casa, o quanto de insumos e recursos poderiam ser economizados se fossem reaproveitados os que estão sendo descartados? Tu sabias que é possível fazer uma mesa, uma casinha de boneca ou cachorro, com tubos de pasta de dentes? Quantos tubos de pasta de dentes você já consumiu nos últimos anos?
Pegou pesado, né, Patrícia? Eu não tenho como fazer as placas, processo não é simples!
OK, então vamos a algo mais simples: garrafas de vidro. Tem alguma que usou? De azeite de oliva, de vinho, de sucos? O que tu fizeste com elas? Descartou? Se sim, eu recomendo que estude o processo de fabricação do vidro. Acredito que irás ter mais dificuldade em descarta-las na próxima vez! Descartou o vidro, mas você ou sua esposa ou seu marido comprou um vaso de vidro para enfeitar a casa. Quer uma mais simples?
Roupas! Isso mesmo: algumas pessoas não conhecem a profissão de costureira, ou então não sabem que o jeans pode ser renovado e restaurado.
Patrícia, e qual a relação desses exemplos com as empresas?
Vou responder com outra pergunta: por que não é feito na sua casa?
Alguns dirão: muito difícil ou muito trabalho; outros dirão que o custo-benefício não é atrativo; outros, que não têm as ferramentas adequadas para o processo e que no momento não podem investir na compra das mesmas; outros, que simplesmente acham tudo isso uma bobagem de gente que não tem o que fazer, visto que desde que o mundo é mundo foi assim, então “deixa quieto” como está, afinal, em time que está ganhando não se mexe!
Mas esses últimos se esquecem de um detalhe importante: o time não só não está ganhando, como está perdendo de lavada.
Pois bem, nas empresas funciona da mesma forma. As respostas são parecidas, com a devida observação de diferenças de montantes de investimentos, obviamente. Não faz pois não quer, não faz pois o retorno não compensa o custo inicialmente, o mercado ainda não tem regulação exigindo, a concorrência ainda não faz, e assim por diante.
OBS: existe a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS – que obriga setores específicos de negócios (lâmpadas fluorescentes, produtos eletroeletrônicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, agrotóxicos, etc.) a operar com sistemas de logística reversa, para reduzir resíduos em lixões, e isso afeta o processo seguinte, que é da manufatura reversa, economia circular.
Inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança.”
Stephen Hawking
Então você deve estar se perguntando: qual a relação prática disso tudo? Qual o motivo de tanta atenção à logística reversa, à manufatura reversa – economia circular – às questões ambientais como um todo?
Desde a temperatura até a qualidade do ar que você respira, e claro, mudam os projetos de investimentos de grandes corporações e fundos. Por isso fique atento aos sites de RI dos negócios nos quais você investe, veja quais são os projetos em relação a esses temas e como está o andamento e controle dos mesmos. Se você é daqueles investidores que entendem a importância da sustentabilidade nos negócios a longo prazo, esse assunto não deve ser nenhuma grande novidade, né? Já deve ter lido sobre os projetos de muitas indústrias listadas na bolsa que fazem reaproveitamento de água no processo, ou que investem pesado na logística reversa para minimizar o custo das embalagens, ou que estão investindo em energia renovável, ou buscando alternativas para redução de impacto dos produtos, e também porque têm consciência que o cliente está mais atento ao que consome e quanto isso impacta no ambiente.
Mas então tu estás dizendo que é fácil para a empresa fazer isso? Só não faz quem não quer?
Não, quisera eu que fosse tudo tão simples. Primeiro é preciso investimento; segundo, profissionais capacitados e/ou uma consultoria com esses requisitos, padronização, proteção de marca no processo. Oi? Como assim?
Eu explico: indústrias têm segredos, e proteger esses segredos (que estão nas peças, insumos) é proteger a marca desse negócio. E marca precifica, como falamos nas nossas conversas anteriores. E não esqueçamos também da necessidade de rastreabilidade, que é essencial para montar esse processo e fazer com que ele funcione, montar as bases, organizar a movimentação (recolhimento), a armazenagem, e tudo isso com segurança (use exemplo dos medicamentos: quando o que não pode ser transformado em subproduto deve ser incinerado, se não houver controle, o que acontece? Ou ainda, se a análise para reutilização apresentar falhas?), e por aí vai.
Mas é fato que já existem inúmeras iniciativas. Vou citar apenas uma: a escolhida é a Rede de Cooperação para o plástico, criada pela ABIPLAST, um projeto que busca reunir todos os elos da cadeia produtiva estendida do plástico, com o objetivo de encontrar soluções para maximizar a economia circular nesses negócios. E qual a importância disso? Força de ideias e de projetos, que pensados de acordo com as necessidades de cada tamanho de negócio, viabilizam a implantação. Cooperação é o nome disso.
Exemplos citados pela rede incluem: a Dove, a famosa marca de produtos de higiene e beleza, que está redesenhando embalagens de plástico 100% recicláveis; ou a HP, que divulgou o seguinte dado: 8,2 milhões de equipamentos produzidos com plástico reciclado desde 2012 no Brasil; e ainda temos a a LEGO, que vai produzir com plástico onde a matéria-prima é a cana-de-açúcar; e sem esquecer da gigante Coca-Cola, que anunciou em 2020 a produção da primeira garrafa a partir de plástico recuperado e reciclado dos oceanos.
Observando que a indústria do plástico movimenta mais de R$ 70 bilhões por ano no país.
A lógica é: não cabe mais na nossa economia e modelo de consumo enviar enormes quantidades de resíduos a aterros sanitários se podemos pensar em alternativas para reuso, seja transformando em novos produtos para serem comercializados (mesmo que subprodutos ou de segunda linha, ou ainda novos produtos sustentáveis), ou novos destinos que podem incluir projetos sociais. Ou seja, ajuda nos números do negócio, atende aos critérios do ESG e ainda faz um bem enorme para a humanidade.
O gestor que não está trabalhando em nenhum projeto com essa abordagem, precisa repensar a atitude. É claro que existem obstáculos de implantação, mas podemos começar por pequenos projetos e ir avançando, buscando parcerias, apoio, novas ideias, afinal, negócios e mercado são dinâmicos. E acreditar que isso é apenas moda, que vai passar e não dar em nada, seria o mesmo que estarmos lá em 1960 e falarmos que fumar em hospitais e elevadores nunca seria um problema, que era apenas uma ideia de tolos. Pense em quantas coisas eram consideradas “certas/duradouras/eternas” 40 anos atrás. Lembrou de alguma?
Mas as coisas mudam, o Mertiolate não arde mais e a enciclopédia Barsa é peça de decoração.
Então olho vivo nas estratégias dos negócios. Veja se elas fazem sentido, se existem mesmo, ou se são apenas letras bonitas para deixar uma boa impressão.
“O mundo detesta mudanças e, no entanto, é a única coisa que traz progresso.”
Charles F. Kettering
Até a próxima semana! Um abraço.
Patrícia Rossari.
Gestão & Logística.
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