A quantidade de dinheiro que circula em uma economia é uma das formas mais usuais de entendermos a saúde dessa economia. Já falamos sobre essa questão do crédito e de como influencia o consumo das pessoas, que por sua vez aumentam os pedidos das empresas e a necessidade de matéria-prima, aumentando a produção, ou seja, com mais receita, a tendência é a empresa lucrar mais, então o preço das ações e os dividendos tendem a acompanhar essa evolução. Não é somente o mercado que ganha com o lucro das empresas. Aquecendo a economia, a tendência é que o poder de consumo, com a inflação sob controle, aumente.
Mas o assunto do momento é: os preços dos alimentos estão subindo, o preço das commodities (grãos) alcançaram recordes no 2T2020 devido a uma demanda aquecida mundo afora, principalmente vinda da China e também da Europa, como destacado pela CNA e exposto aqui no site na semana passada. Logo, a expectativa da inflação entra em cena. Porém, para compreender como isso é importante para as empresas e como vai afetar a precificação dos negócios, é preciso esclarecer alguns pontos:
- A inflação é o fenômeno de aumento dos preços, ela é uma métrica que ajuda a entender o cenário social e econômico de um país. Logo, analisar as causas e efeitos dela é parte do processo de análise de qualquer tipo de investimento. Seja na renda fixa ou variável, ela vai determinar a rentabilidade real do seu investimento.
- A população evolui, consome mais, na medida em que a renda aumenta; assim, os custos se elevam. A relação entre as variáveis é essencial para compreender a melhoria na vida da família. Obviamente que se as duas variáveis não apresentarem correlação linear, ou seja, a inflação estiver subindo mais rapidamente que a renda, a capacidade de consumo e, consequentemente, a qualidade de vida da família se reduzem.
- Quando os preços sobem, mas a renda “congela”, ocorre a chamada desvalorização da moeda e, consequentemente, a piora na qualidade de consumo e de vida da família.
- A indústria precisa aumentar os preços, o que desencadeia ainda mais inflação (aqui fica fácil de entender a relação da taxa básica de juros, que influencia o acesso ao crédito, que por sua vez interfere no consumo e na inflação).
- Se existe muita concorrência, as empresas muitas vezes não repassam inflação por um determinado período, pois aumentar os preços pode gerar perda de clientes/mercado. Então elas focam na quantidade para diluir o efeito, e reduzem a margem, conseguem manter um preço de venda que permita um resultado saudável, porém não por longos períodos, principalmente quando a empresa precisa fazer investimentos para melhorar a operação e expandir.
Importante destacar que quando o governo aumenta o valor gasto e não existe poupança interna suficiente, pode ocorrer a famosa emissão de moeda. Logo, mais moeda na economia, que pode gerar a tal da inflação de demanda, que ocorre quando temos na economia uma demanda agregada maior que a oferta agregada, ou seja, inflação dos compradores, quando os meios de pagamento disponíveis crescem mais do que a produção dos bens.
Mas e a inflação de custos, a inflação de oferta?
Ocorre quando a demanda permanece estável, mas os custos de produção não. Os juros, moeda – câmbio, renda, salários, ou, trocando em miúdos: tudo aquilo que interfere no custo do negócio aumenta. Ou seja, com a operação mais cara, pode-se ter menos produtos disponíveis, e com a demanda mantida, o preço aumenta, o que se define na teoria como movimento induzido e foi visto durante a pandemia.
Por outro lado, quando existe uma redução na produção por parte das empresas, significa que a capacidade produtiva não está sendo utilizada, ou seja, aumenta a ociosidade, que também gera custos. Portanto, a gestão precisa planejar estratégias que não incorram em custos demasiados, que comprometam a rentabilidade da operação, seja produzir mais/escala para que o custo marginal faça seu trabalho, e assim ela consiga manter preço competitivo, mesmo repassando parte dos aumentos inflacionários recebidos na cadeia, ou então arca com o custo de ociosidade e produz menos, reestruturando a operação, enxugando, desinvestindo.
E nesse segundo trimestre houve um festival de variáveis que impactaram nessa questão: câmbio nas alturas (ruim para quem importa insumos para produção), preço do petróleo (ajudou no custo, pois é essencial em grande parte da cadeia logística), etc., e ajudaram também as políticas do governo referentes aos auxílios em relação à mão de obra (salários). Outro ponto foi o aumento do salário mínimo, apenas da inflação, afinal, como efeito cascata, acaba refletindo nos custos de produção também, tendo em vista que, segundo o Dieese, cerca de 48 milhões de pessoas tem a base de reajuste pelo salário mínimo.
Caso você não lembre: a política para valorização do salário mínimo mudou. Antes previa reposição de perdas inflacionárias de uma data de reajuste para outra, calculada pelo INPC (IBGE), que correlaciona o poder de compra dos salários medindo as variações dos preços da cesta de consumo da população assalariada (com rendimento mais baixo), e também calculado pelo aumento real relacionado ao crescimento do PIB – Produto Interno Bruto (de dois anos anteriores ao reajuste).
Hoje o cálculo prevê apenas a correção pela inflação medida pelo INPC. O governo justificou dizendo que não poderia fazer reajustes reais (acima da inflação) porque está com as contas apertadas. Muitos dos benefícios que o governo paga têm como referência o salário mínimo, e segundo o Dieese, a cada R$ 1,00 de aumento, sobe R$ 302,723 milhões a folha de benefícios da Previdência Social, por isso muitos defendem a medida de reajuste apenas pelo INPC.
PS: sabemos que inflação tira o poder de compra, o valor nominal permanece, porém o valor real reduz.
PS2: empresa que tem mercado, capacidade ociosa para utilizar em caso de aumento de demanda, tem obviamente tendência de aumentar a receita.
PS3: quanto menor a necessidade de capital de giro, menores serão os riscos da empresa em relação à liquidez, mas cuidado, pois isso não significa rentabilidade.
PS4: a relevância da conta estoques na composição do custo total é grande, e isso afeta diretamente as margens e influencia o retorno aos acionistas. Não possuir controle de estoque, ou um giro comprometido, perdas por avarias, ociosidade, acaba sendo sentido lá na linha do lucro. Ou seja, analisar o comportamento dessa conta nos documentos é essencial para perceber o custo de oportunidade adotado pela empresa, e esse movimento no 2T2020, com aumento dos estoques, devido ao medo do desabastecimento, vai interferir na precificação de parte da produção do período atual, ou seja, na margem… se a demanda retornar.
Não é recomendação de compra ou venda do ativo.
Daniel Nigri
Apoio: Patrícia Rossari
O analista Daniel Nigri CNPI1810 é o responsável pelas informações perante a ICVM 598
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