Fabricação de ônibus, carrocerias para ônibus e componentes
Na semana passada foi noticiada na mídia o primeiro projeto do país com veículos leves sobre rodas 100% elétricos, em São José dos Campos – SP, contando com 12 unidades, e os veículos serão entregues até final de 2021, e o que a Marcopolo tem com isso?
Ela participa do projeto com a chinesa BYD, e já entregou veículos elétricos em outros estados do país, então se você acompanha a empresa, já sabe do que se trata.
E desta notícia, uma das frases mais repetidas foi a do diretor do negócio ônibus da companhia, Rodrigo Pikussa, dizendo que os ônibus elétricos devem corresponder à metade da frota do Brasil entre cinco a dez anos. E quais são os pontos fortes e fracos desse modelo?
- taxa zero de emissão
- menor manutenção do que os veículos atuais
- modelos não tem escadas, as portas são mais largas (acessibilidade)
- ar-condicionado esterilizado com tecnologia de luz ultravioleta
- visão do motorista é computadorizada e não conta com espelhos retrovisores.
- Ponto fraco? Preço, que afeta diretamente a demanda e, portanto, a escala que poderia com o tempo baratear o produto. Afinal segundo dados divulgados pelo diretor citado acima, um modelo destes custa entre R$ 1,3 e R$ 1,5 milhão, ou seja, mais chegando a 3x o preço de um modelo comum
Outro detalhe que chamou atenção de muitos é que foi citada pelo executivo a possibilidade de envolvimento das distribuidoras de energia no processo, visto que elas teriam interesse na ocupação em horários onde o sistema está ocioso (a noite), e que poderiam ser cogitadas parcerias entre empresas e estado para ampliar esse modelo de transporte.
Citadas as últimas novidades, agora vamos conhecer um pouco mais da empresa:
Fundada em 1949 na cidade de Caxias do Sul – RS a empresa foi uma das primeiras indústrias brasileiras a fabricar carrocerias de ônibus, no início a carroceria era de madeira e o revestimento de metal e o tempo de produção de uma unidade era de até três meses. Em 1952 ela produziu as primeiras carrocerias de aço e em 1961 assina o primeiro contrato de exportação, para o Paraguai, e na década de 70 se torna a primeira empresa da indústria automobilística a vender tecnologia.
Na época a empresa possuía outro nome: Nicola & Cia Ltda e depois Nicola S.A.
Em 1950 com o plano de expansão 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek, a empresa viu a demanda aumentar, afinal a expansão da infraestrutura era um dos principais alvos do plano, através de estradas para integrar os cantos do país e o plano para “industrializar” o país (incentivo a indústria automobilística principalmente). Porem aumento de demanda exige capacidade e força de produção, o que na época a empresa ainda não possuía e sabemos que esses fatores são atemporais, ou seja, sem capital não existe expansão e empresas menores não tinham tantas facilidades de crédito a um custo razoável.
A empresa possuía sócios, entre eles estavam os Irmãos Nicola e Paulo Bellini, mas eles não tinham capital para investir sozinhos então resolveram que a saída seria capitalizar com amigos e parentes, e foi assim que eles venderam participações na empresa, isso mesmo, eles buscaram acionistas entre os conhecidos e conseguiram o capital para atender o crescente mercado e expandir a produção alçando voos internacionais. Na época a verticalização da produção (muito além da necessidade de adaptar o chassi para a carroceria do ônibus) era em relação a modelos desde tamanho até formato de janelas, ou seja, apesar de ser uma produção que atingia volumes maiores ela era customizada, o que exigia maior organização e gestão da produção.
Em 1968 a empresa lança o ônibus Marcopolo e em 1971 passa a adotar o nome “Marcopolo” também para a empresa (sim, existe relação com o explorador Marco Polo), em 1977 Paulo Bellini é eleito presidente e em 1978 a empresa abriu capital na Bovespa.
E no ano de 1986, após um sufoco econômico (quem viveu ou estudou a década de 80 sabe do que se trata), com fábricas fechando, demissões, pedidos recuando, inflação acelerada, juros etc., a empresa decide que é o momento de aumentar a eficiência dos processos e buscam então na filosofia japonesa essa melhoria, a viagem ao Japão tinha como objetivo conhecer o modo de produção.
E obviamente aqui estamos falando do sistema Toyota de produção, Kanban, eliminando excesso de peças na linha de montagem e do excesso de estoque em processo, controle de qualidade, reduzir os custos com armazenagem de insumos/materiais, automação no estilo jidoka da Toyota ( evitando a perda de sincronização absoluta) que é muito diferente dos sistemas usados nas outras montadoras, eliminar as perdas no processo (inclusive espaço, que pode evitar expansões de plantas desnecessárias e de tempo) e produzir com padrão e qualidade.
Além da implantação do Sistema Marcopolo de Produção Solidária – SIMPS, onde os funcionários começaram a participar ativamente das ações através de sugestões e melhorias, que ajudam na tomada de decisões empresariais, método muito comum hoje em dia nas organizações, mas na época não era assim.
Quem me conhece sabe que eu poderia falar muito sobre isso, mas não é o objetivo desse material, embora seja o que de fato faz um processo ser eficiente/eficaz e proporcionar bons resultados.
E outro detalhe importante é o que ela faz parte do Programa Rota 2030 (Lei nº 13.755/2018) referente ao setor automotivo, onde está prevista abatimento de 30% dos investimentos realizados no valor do Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido, com limite de 30% dos impostos a pagar ( mesmo percentual para abater prejuízos anteriores) e o esse desconto pode aumentar para até 45% se o investimento for feiro no desenvolvimento de componentes estratégicos.
Parte dessa nova regulação é referente aos novos requisitos obrigatórios para comercialização de veículos e também isenção fiscal para aquisição de peças.
Rota 2030 é um programa do governo que definiu novas regras para a fabricação dos automóveis, tanto produzidos quanto comercializados nos próximos 15 anos, no Brasil. E envolve metas de eficiência energética, itens de segurança e novas tecnologias que serão adaptadas aos modelos, investimentos em pesquisa, para mais informações acesse a lei – Programa Rota 2030.
Para consultar as empresas que estão habilitadas, acesse esse Habilitações ROTA 2030
Voltando aos números, segue abaixo a composição acionária da companhia, retirada do site RI da companhia:
O capital social autorizado da controladora é de 2.100.000.000 ações, sendo 700.000.000 ações ordinárias e 1.400.000.000 ações preferenciais, nominativas e sem valor nominal. O capital social, subscrito e integralizado, está representado por 946.892.882 ações nominativas, sendo 341.625.744 ordinárias e 605.267.138 preferenciais, sem valor nominal.
A linha de produtos é de grupos de ônibus rodoviários, urbanos e micros, além da família Volare (ônibus completo, com chassi e carroceria). A companhia possui dezesseis fábricas, três unidades em Caxias do Sul ( sendo que uma delas será encerrada até o primeiro trimestre de 2020), uma em Duque de Caxias no RJ e uma em São Mateus no ES, e onze no exterior: uma na África do Sul, três na Austrália, uma na China, uma no México, duas na Argentina, uma na Colômbia e duas na Índia.
Ela possui também 40,0% de participação na Valeo que é uma empresa de climatização e ar-condicionado e 30,0% na WSul que é uma empresa de espumas para assentos, possui também 65,0% na Apolo que é uma empresa de soluções em plásticos, 20% na encarroçadora egípcia GP Polo e 10,8% na empresa canadense NFI Group Inc. (é a principal fabricante de ônibus urbanos e rodoviários nos Estados Unidos e Canadá).
Além do controle do Banco Moneo S.A., que tem como objetivo para dar suporte ao financiamento dos produtos da Companhia.
E os números da empresa no 2T2020?
Para uma análise coerente de um negócio é preciso compreender como cada segmento do negócio afeta a receita, no caso da Marcopolo foram a receita líquida do trimestre foi de R$ 798,5 milhões, uma queda de 30,1% em relação ao 2T2019, com uma produção registrada na receita líquida de 2.591 unidades, sendo:
- 799 unidades faturadas no Brasil, representando 71,9% do total
- 524 exportadas a partir do Brasil, representando 12,4%
- 304 unidades faturadas no exterior representando 14,8% do total
Origem da receita consolidada:
A produção consolidada da companhia foi de 2.335 unidades no trimestre, no Brasil foram produzidas 2.042 unidades (-45,5%), em relação ao mesmo período de 2019, e no mercado externo foram 293 unidades (-47,1%) na mesma base comparativa
O Market share da companhia na produção de carrocerias no país foi de 49,2% no trimestre, uma queda de 3 p.p em relação ao 2T2019 e de 7.9 p.p. em relação ao trimestre anterior, houve ganho de mercado nos urbanos e uma retração considerável nos rodoviários. Observe a imagem retirada do release da companhia:
E obviamente a relação necessária é com a receita, então observe a composição da mesma em relação aos dos produtos, no geral isso é útil para entender o impacto quando existe queda no volume produzido, com ou sem compensação de preço de venda, e veja na imagem abaixo que ocorreu queda na receita nos produtos do mercado interno (exceção do Banco Mondeo) e da unidade de Chassis, que manteve valor, no mercado externo o segmento de urbanos cresceu faturamento em 21,8% obviamente reflexo do câmbio, mas segundo a empresa também pelas vendas para o continente africano por uma redução menor de volumes na operação Volgrene em relação as demais :
Fonte: Release da companhia 2T2020
Veja que os rodoviários que tem a maior participação na receita líquida consolidada, e esse produto diminuiu a participação no Market share de 64,3% para 38,8% (1T2020 x 2T2020), o produto urbano é o segundo maior percentual, e este como dito acima aumentou Market share, mas reduziu receita. A empresa apresentou uma receita líquida consolidada no mercado externo que corresponde 55,4% (-14,3% 2T2020 x 2T2019) do total e o restante 44,6% (-43,02% 2T2020 x 2T2019) no mercado interno.
OBS: a empresa informou que entregou 724 unidades vinculadas ao programa Caminho da Escola, destes 271 micros, 380 urbanos e 73 modelos Volare, e o ritmo de entregas deve se acelerar no 3T20.
OBS2: segundo a companhia as exportações devem aumentar a partir do 4T2020, devido a sazonalidade e também de novas entregas para a África no período.
Os estoques de produtos acabados aumentaram na comparação semestral, os produtos em produção também mas em % menor que os acabados, o que é normal visto que as unidades ajustam a programação de produção de acordo com as vendas, o estoque de matérias primas aumentou também, esse foi um movimento comum na maior parte das empresas, com receio da incerteza da pandemia houve consideração de aumento de estoques de segurança, e a provisão para perdas de estoque também aumentou.
Veja também o comportamento das contas a receber da companhia, observe a linha mercado externo:
Fonte: ITR da companhia 2T2020
O resultado bruto: lucro bruto de R$ 130,5 milhões, queda frente aos R$ 175,5 milhões apurados no 2T2019, a margem bruta no trimestre foi de 16,3%, aumento de 0.9 p.p. em relação ao mesmo período de 2019, reflexo das exportações que tiveram mais peso na receita e também a questões de eficiência/otimização das unidades produtivas, que foram alvos de mudanças nas programações de produção e que obviamente afetaram os custos, principalmente os variáveis e também custos com mão de obra.
OBS: a empresa está com cerca de 50% dos colaboradores com contratos suspensos e/ou com jornadas reduzidas nas plantas do Brasil, lá fora os ajustes vem sendo efetuados de acordo com retorno da demanda
Em relação as despesas com vendas houve um aumento, subindo para 6,7% da ROL contra 5,5% no 2T2019, a empresa justifica o aumento devido as comissões maiores que são pagas nas vendas do mercado externo, já as despesas administrativas recuaram de R$ 17,3 milhões para 39,2 milhões, mas devido a receita menor no trimestre, o percentual em relação a ROL subiu de 4,1% para 4,9%.
Fonte: ITR da companhia 2T2020
O valor de R$ 31,2 milhões em outras receitas operacionais se deve a um ganho em relação a ação judicial de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS da controlada San Marino Ônibus Ltda.
O resultado financeiro líquido no trimestre foi negativo em R$ 16,9 milhões contra um resultado positivo no 2T2019 de R$ 8,9 milhões, aqui entram em cenas as variáveis: ação do PIS COFINS citada acima na ponta positiva e na negativa, desvalorização do Real frente ao dólar sobre a carteira de pedidos do mercado externo.
OBS: a empresa cita que faz o hedge do câmbio das exportações no fechamento do pedido das vendas, com objetivo de manter saudável a margem dos negócios.
Acompanhe as contas a receber nas moedas:
Fonte: ITR da companhia 2T2020
Ebitda e Lucro
O ebitda na comparação com o mesmo trimestre de 2019 recuou de R$ 64,6 milhões para R$ 40,9 milhões, devido queda dos volumes que é reflexo da pandemia, afetando volume e receita consequentemente, o que leva também a redução na base para diluição dos custos, a margem recuou 4.1 pp. de 9,2% para 5,1%.
E na linha final a empresa chegou a um lucro líquido consolidado de R$ 1,3 milhão, recuo de 98,6% quando se compara com o segundo trimestre de 2019, onde o lucro foi de R$ 90,9 milhões. Afinal menor volume, menor receita…menor lucro.
Dívida
A dívida líquida/ebitda no final do trimestre era de 2,2x, mas lembrando que isso considera apenas a operação industrial e não a do Banco Moneo, a dívida financeira líquida ao final do trimestre é de R$ 1.235,4 milhões em 30.06.2020, do total R$ 513,0 milhões são referente ao Banco Moneo) e R$ 722,4 milhões do segmento industrial.
“Por se tratar de repasses do FINAME, cada desembolso oriundo do BNDES tem exata contrapartida na conta de recebíveis de clientes do Banco Moneo, tanto em prazo como em taxa.” |
Fonte: ITR da companhia 2T2020
Concluindo
Nesse trimestre o grande vilão foi a pandemia, no mercado doméstico a demanda por novos ônibus teve impacto forte do turismo, linhas rodoviárias interestaduais e internacionais, transporte escolar e transporte público urbano, com desdobramentos em todos os segmentos de produtos, justificou a companhia. O programa federal Caminho da Escola foi o responsável pelos valores positivos de vendas de rodoviários leves, urbanos, Volares e micros.
As exportações impactadas pelo câmbio, ou seja, mesmo com menos quantidade vendida a receita é impactada pela moeda, além de um número positivos de pedidos entregues no continente africano.
Em relação as incertezas advindas da pandemia e seus efeitos a empresa informa que as estratégias de alongamento da carteira, pela redução da
produção diária, contribuiu para os resultados nesse cenário de queda de demanda, visto que houve queda substancial na carteira de pedidos, mas segue confiante e vê a demanda em recuperação desde maio, cita também que existem entregas previstas até metade de setembro, a partir de outubro a empresa espera uma recuperação dos volumes faturados, devido a pedidos efetuados anteriormente, mas também devido ao encerramento gradual das restrições de circulação no Brasil e no exterior
PS: Não é recomendação de compra ou venda do ativo.
Daniel Nigri com apoio de Patricia Rossari
O analista Daniel Nigri CNPI1810 é o responsável pelas informações perante a ICVM 598
As informações não constituem recomendação de compra ou venda de qualquer ativo
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