Risco, correlação e a arte de não ser ingênuo.
Por Patricia Rossari
Abrir o home broker e escolher um ativo porque subiu bem nos últimos meses é o equivalente financeiro a atravessar a rua olhando para o celular. Estatisticamente, você não morre na primeira vez. A longo prazo? Nem tanto.
Como diria Kahneman, nosso cérebro é uma máquina de construir narrativas rápidas e péssimas. E no mercado, onde a realidade insiste em ser teimosa, o investidor que opera por impulso descobre cedo ou tarde que retornos passados servem mais para contar histórias do que para prever o futuro.
É aí que entra a matemática da construção racional de portfólios. Nada de glamour, apenas a parte do investimento que realmente funciona. E, ironicamente, é justamente aquilo que a maior parte dos investidores prefere ignorar.
Retorno esperado, a parte fácil.
Risco é onde mora o perigo e a arrogância humana. A fórmula do retorno esperado é tão simples que até parece pegadinha:
Retorno da carteira = média ponderada dos retornos dos ativos
Pronto!
Rápido, limpo, elegante. Uma equação minimalista digna de Euclides.
Mas, como sempre, a maldade mora na linha de baixo. Quando falamos de risco, a média ponderada é inútil, é como tentar medir a força de um furacão usando a temperatura do vento.
O desvio-padrão de uma carteira depende de três elementos:
- O risco do Ativo A
- O risco do Ativo B
- A correlação entre eles
Esse terceiro item, é o protagonista injustiçado da diversificação.
Talvez o único herói financeiro que nunca pediu crédito.
Correlação é aquilo que o investidor ignora, até começar a perder dinheiro
Imagine dois ativos voláteis, temperamentais, nervosos. Separados, são enjoados, mas juntos se a correlação for baixa ou negativa podem ser brilhantes. Parece contraditório? Sim.
Mas a correlação negativa funciona como aquela amizade improvável que se equilibra:
quando um exagera, o outro traz de volta para o chão.
OBS: sim, antes que alguém mande e-mail “corrigindo”, eu sei que correlação negativa é rara em classes de ativos tradicionais, ou seja, correlação negativa existe, mas não é comum em ativos tradicionais sem buscar outro tipo de exposição.
Por exemplo: ações contra títulos, vai depender do regime de juros e no nosso caso das eleições.
Matematicamente, o que isso significa? Que 1 + 1 pode ser < 2.
O risco conjunto pode ser menor do que os riscos individuais.
É a verdadeira mágica da diversificação, não aquela versão compra 10 ações e está resolvido, que a internet adora vender.
“Diversificação é o único almoço grátis em finanças.”.
A obsessão por retorno é o início de todo desastre
O investidor que só olha retorno está condenado a correr riscos que não deveria. Ao considerar correlações, você descobre a curva de oportunidade,
quanto menor a correlação, mais aberta, inclinada e generosa ela fica. Em termos práticos:
- mesmo retorno, menos risco, ou
- mesmo risco, mais retorno
Não por acaso, Morgan Housel fala que “boa gestão de risco não parece inteligente, até que o mundo desaba e então parece genial”.
Quem já levou pancada na bolsa sabe exatamente o que ele quis dizer.
Esqueça aquele discurso mercado é para os fortes, ele é para os que buscam aprender e para os disciplinados.
Em um mercado global muito conectado, barulhento e sujeito a choques com juros, geopolítica, tech, commodities, achar que basta escolher bons ativos é ingenuidade com verniz de confiança.
Substitua a pergunta: quanto esse ativo rende? Por essa pergunta: como esse ativo afeta o comportamento do meu portfólio? Ele reduz meu risco total ou só adiciona mais confusão?
É exatamente essa mudança mental que separa o investidor intuitivo e frequentemente frustrado do investidor intencional.
A matemática não é um inimigo, ela é uma espécie de colete à prova de besteira.
Risco, retorno, correlação, fronteira eficiente, parece tudo muito técnico, e é.
Mas é técnico da mesma forma que um manual de voo é técnico
e você definitivamente prefere que o piloto saiba usar.
Esses conceitos:
- reduzem risco sem comprometer retorno
- substituem palpites por estrutura
- evitam erros que só aparecem nas crises, e elas sempre aparecem
- impedem que sua carteira vire um tipo de bazar aleatório
A diversificação verdadeira nasce da correlação, não da quantidade.
Uma carteira com 12 ativos altamente correlacionados é só um ETF mal montado.
Como diria Taleb:
“É fácil ser sábio com retrospectiva. Difícil é construir sistemas que não quebram.”
Portfólios eficientes são exatamente isso, sistemas que não quebram fácil.
O investidor que ignora risco é educado pelo mercado, o investidor que entende risco é recompensado por ele. No fim das contas, aprender a usar correlação é menos sobre dominar a matemática e mais sobre o próprio comportamento.
A teoria já existe, o mercado faz o teste e a sua carteira conta a história.
No fim do dia, a grande falácia do investidor amador é acreditar que “sentir” o mercado é o mesmo que estar certo. Intuição é ótima para escolher restaurante, para construir patrimônio? Nem sempre.
A matemática não tem charme, mas tem disciplina e é justamente essa disciplina que separa quem sobrevive de quem vira estatística em relatório de drawdown.
Correlação, risco, covariância, VaR, CVaR, nada disso existe para complicar sua vida. Existe para impedir que você a complique sozinho. O investidor que ignora risco opera com uma confiança que não vem da competência, vem da ingenuidade.
E o mercado tem um talento especial para corrigir ingênuos.
No mercado operar apenas com “preferência”, “instinto” ou “o ativo da moda” é o equivalente financeiro de atravessar avenida movimentada achando que todo motorista vai frear. Não vão.
Portfólios eficientes não nascem sonhos, você não controla o futuro, mas controla a arquitetura que suporta os impactos dele. No fim das contas, não ser ingênuo no mercado é simples, abandone o palpite, valorize a estrutura.
Intuição quebra carteiras, sistemas bem construídos não.
Para lembrar:
Retorno esperado = média ponderada dos retornos individuais
O risco (desvio-padrão) não é média ponderada. O risco da carteira depende da variância e da covariância entre ativos.
O papel da correlação é central, redução de risco via correlação baixa ou negativa.
Diversificação não é quantidade, é correlação
O investidor que ignora risco é educado pelo mercado. Não é teoria, mas é empiricamente irrefutável.
Correlação baixa sempre ajuda? Ajuda, mas nem sempre salva em crises. Em crises como 2008, pandemia, correlações entre vários ativos tendem a subir.
Importante:
Use também Value at Risk VaR, CVaR, teste de estresse, drawdown
Value at Risk (VaR), ou Valor em Risco, é uma métrica estatística usada no mercado financeiro para estimar a perda máxima potencial de uma carteira ou posição em um horizonte de tempo específico, com um dado nível de confiança
CVaR, que é uma medida de risco que estima a perda média esperada em cenários de perdas extremas, condicionada a exceder o Value at Risk (VaR).
Patrícia Rossari